Designer transforma e preserva fábrica

Há 23 anos, antes de a sustentabilidade virar moda, projeto revitalizou indústria falida na Itália

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Por Mariana Lenharo

Em 1989, o designer italiano Angelo Grassi comprou uma fábrica de cimento falida na pequena cidade de Gambettola, na Emilia Romagna. Seu sonho era dar nova função à estrutura gigante de concreto. Sem ser destruída ou descaracterizada, a fábrica passaria a ser um centro de arte e pesquisas voltadas a uma produção artesanal que levasse em conta a preservação ambiental e a valorização da matéria-prima local.

Seguindo princípios que adotava em seu trabalho - usar materiais descartados por indústrias e desenvolver objetos capazes de se relacionar harmoniosamente com a natureza -, ele pensou em um centro que reunisse os artesãos locais para voltar a fortalecer uma atividade então em decadência na Itália.

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O projeto - chamado simplesmente de Fabbrica - foi recebido com descrença naquele tempo em que o conceito de sustentabilidade não desfrutava de tanta popularidade quanto hoje nem aparecia atrelado a ações de marketing de grandes empresas.

Para começar o trabalho, Grassi chamou 25 artesãos, cada um com um ofício diferente, para fazer a recuperação do edifício e de seus arredores. Também passaram a utilizar o local para dar oficinas em que ensinavam suas habilidades a jovens aprendizes.

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Preservação. A fábrica também se estabeleceu como local de venda e exposição de artesanato. O projeto tinha outra peculiaridade: a fábrica deveria permanecer como era quando funcionava. A ideia era preservar a memória do local e dos trabalhadores que lá atuaram por décadas.

Estrutura, paredes e equipamentos, tudo foi mantido. A diferença é que, em vez de produzir cimento, poluição e ruídos, a fábrica produz artesanato sustentável e cultura. Isso sem deixar de servir como meio de sustento para os moradores: enquanto o cimentifício chegou a empregar 120 trabalhadores, hoje o centro ocupa 140.

"Essa iniciativa melhorou o trabalho e a convivência. Deu a Gambettola a possibilidade de respirar e não ter mais de tolerar a poluição e o barulho da fábrica, criando uma nova economia", disse Grassi, que esteve no Brasil em agosto para falar sobre sua experiência a convite do Centro Mario Schenberg de Documentação e Pesquisa em Artes da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP).

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Recuperados, os espaços da antiga fábrica passaram a ser alugados para exposições de arte, feiras, desfiles, peças de teatro e todo o tipo de manifestação artística. Foi criado também um alojamento para pessoas que vêm aprender um ofício artesanal ou pesquisar sobre o tema.

Três bosques se formaram em volta do edifício, com árvores plantadas há 23 anos, no início do projeto. Nem mesmo os 10 mil sacos de cimento herdados da antiga fábrica foram desperdiçados. Depois de impermeabilizado, o papelão foi transformado em bolsas femininas.

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Para a professora Elza Ajzenberg, diretora do centro Mario Schenberg, a iniciativa de Grassi pode servir como um exemplo a ser aplicado no Brasil, de "como transformar uma estrutura abandonada e degradada em um local moderno e vibrante, integrado à estrutura urbana, sem contudo destruir a memória do local que havia ali".

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