BRASÍLIA - Alvo de forte pressão social e críticas de todas as partes depois de ter colocado em liberdade um dos traficantes mais perigosos do País, a maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu seguir a decisão do presidente da corte, Luiz Fux, mantendo a prisão preventiva de André do Rap, que fugiu após a soltura. O líder do Primeiro Comando da Capital (PCC) acabou solto graças a uma liminar concedida na sexta-feira, 9, pelo ministro Marco Aurélio Mello.
Foram seis votos a zero. Ainda faltam cinco votos, em sessão que será retomada será nesta quinta-feira, 15. Durante as mais de quatro horas de sessão, os ministros que votaram demonstraram apoio ao novo presidente do Supremo, ao concordar com a suspensão da liminar dada por Marco Aurélio, mas tiveram o cuidado de deixar um recado importante para Fux: presidentes do tribunal não têm o direito de cassar decisões de colegas, a não ser em situações excepcionais — como tem sido visto esse caso.
A primeira sessão de julgamento do caso foi marcada por uma série de sinalizações importantes e diversos recados dados por ministros. Houve clara unidade entre Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber e Dias Toffoli, que votaram no sentido de que o narcotraficante internacional não deveria ter sido solto.
Seguindo a decisão e o voto de Luiz Fux, eles discordaram da decisão de Marco Aurélio, baseada em uma mudança na legislação processual penal trazida pelo Pacote Anticrime – que prevê a revisão das prisões preventivas a cada 90 dias, para evitar abusos.
Na prática, o entendimento que está sendo firmado é o de que os magistrados devem verificar, caso a caso, se há fundamentos para a manutenção da prisão ou não. A tese que vai se desenhando é que não pode haver uma soltura automática se passado o prazo de 90 dias. Isso deve valer não só para o caso do traficante foragido, mas deve ser levado em conta por “20 mil juízes do país” — como disse Fux.
O presidente do Supremo, em suas colocações, chegou a afirmar que André do Rap “debochou da Justiça”, ao fugir após o habeas corpus dado pelo colega da corte. Sobre o autor da decisão, ministro Marco Aurélio, Fux evitou critica nominal, mas disse que o fundamento da soltura foi “fragilíssimo”.
“Caso aplicado em outras instâncias o mesmo entendimento consignado na decisão liminar questionada, agentes de alta periculosidade, em relação aos quais se encontra concretamente justificada a custódia preventiva, poderão receber indevidamente o benefício da liberdade provisória, agravando o prejuízo à ordem pública social”, disse Fux.
Alguns ministros, como Moraes e Barroso, foram ainda mais enfáticos. Chegaram a dizer que nem sequer era necessário, na situação de André do Rap, uma nova decisão para manter a prisão preventiva, pois ele já estava condenado em duas instâncias. Barroso propôs uma tese no sentido de que a revisão de prisões preventivas a cada 90 dias não deverá ser feita, se o réu já for condenado.
Durante a sessão, os ministros não criticaram a aprovação do artigo 316 do pacote anticrime pelo Congresso, evitando assim uma queda de braços entre os poderes. O ministro Luiz Roberto Barroso chegou a dizer que “o dispositivo tem a virtude de permitir que um preso não fique esquecido e que, portanto, seu advogado possa pedir a qualquer tempo que o juiz avalie a conveniência da prisão, mas a soltura automática é gravemente lesiva à ordem pública”.
Barroso disse que “a consequência de um juiz não ter se manifestado não é a soltura automática, mas a possibilidade de ele ser admoestado para se manifestar a respeito".
O julgamento será retomado nesta quinta-feira, 15, com o voto da ministra Cármen Lúcia. Após, votam Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes. Por último, o ministro Marco Aurélio Mello, que se tornou o decano do Supremo com a aposentadoria de Celso de Mello, no último dia 13.
Revisão de decisão por colegas deve ser restrita a casos excepcionais
Sob outro ângulo, os ministros também avançaram em uma discussão sobre os poderes do presidente do tribunal de rever decisões dos colegas. Essa é a primeira vez que o plenário do Supremo discute o tema. Os ministros que votaram após Fux foram claros que essa é uma possibilidade existente, mas apenas em casos excepcionais. Na visão do ministro Edson Fachin, um presidente do STF só pode rever casos se a jurisprudência da corte for contrária à decisão do relator original do caso.
O próprio Fux esteve de acordo e buscou demonstrar que não busca concentração de poderes na figura da Presidência. “Não se trata aqui de se admitir um mecanismo de uniformização de jurisprudência sob a responsabilidade da Presidência, o que jamais seria admitido considerada a natureza de suas funções”, disse.
Ao contrário, o presidente do Supremo demonstrou simpatia a uma mudança no regimento, que está sendo discutida internamente, para que liminares concedidas por ministros sejam imediatamente colocadas em votação em julgamento virtual colegiado (seja a turma, seja o plenário). Dessa forma, segundo Fux, há um reforço da instituição, e não das individualidades — seja do relator, seja do presidente. Outros ministros elogiam a ideia.
A discussão sobre os poderes do presidente foi trazida também pela ministra Rosa Weber, vice de Fux. A ministra demonstrou certo desconforto com a decisão do ministro Dias Toffoli, que pouco antes de deixar a presidência do tribunal, em setembro, arquivou inquéritos abertos com base na delação premiada de Sérgio Cabral, ex-governador do Rio de Janeiro.
Rosa Weber é relatora de um recurso da defesa de Cabral, que questiona se o presidente do STF poderia ter determinado arquivamento, sem ser o relator do caso. A ministra disse que pretende levar o tema ao plenário para que “se fixem essas competências”.
Ainda no julgamento, em uma crítica feita a colegas e também ao Congresso, o ministro Barroso criticou o fim da possibilidade de início da pena para os condenados em segunda instância. “Nós mantivemos a presunção de inocência de alguém condenado em segunda instância em dois processos criminais. Essa é a única razão pela qual estamos hoje discutindo esse caso”, disse, referindo-se aos colegas de tribunal. “Esse caso confirma a minha convicção de que a decisão que impediu a execução de condenação depois do segundo grau foi um equívoco que o poder legislativo precisa remediar”, comentou, em recado ao Legislativo.