BRASÍLIA - Um ex-gerente da Esportes da Sorte, a casa de apostas patrocinadora do Corinthians, afirmou à Justiça do Trabalho que sonegou impostos a pedido da cúpula da empresa e, ainda, apresentou documentos em uma ação trabalhista que apontam suposta relação da bet com bancas do jogo do bicho em Pernambuco. As acusações feitas pelo ex-funcionário Rodrigo Artur Pereira Bispo, 36, reforçam a suspeita apontada pela Operação Integration, a de que o funcionamento da Esportes da Sorte seria “mesclado” com o jogo ilegal e usado para lavagem de dinheiro da contravenção.
Contudo, o ex-gerente desistiu da ação sem explicar o motivo e não quis dar entrevistas a respeito do tema. Em outubro, menos de três meses após entrar com o processo trabalhista, ele informou o recuo por meio de um manuscrito de cinco linhas. O advogado dele, Sileno Fued, também não quis se manifestar. O Estadão apurou que, embora o ex-funcionário tenha perdido o interesse na indenização trabalhista, os fatos narrados por ele atraíram a atenção da polícia, que agora pretende colher um depoimento dele e abrir nova frente de investigação.
Em nota, a Esportes da Sorte afirmou que a reclamação trabalhista está “recheada de alegações inverídicas amparadas em elementos inautênticos, apócrifos, ilegais” e que “nada provam – tanto é assim que referida ação trabalhista foi objeto de desistência pelo seu próprio autor após ser oportunamente notificado extrajudicialmente acerca da ilegalidade das suas condutas.
O Corinthians diz que não comenta investigações em andamento. A Esportes da Sorte também patrocina o Ceará e o Athletico-PR. O clube nordestino informou que não tem conhecimento sobre as alegações, mas que “vai buscar informações junto ao patrocinador para esclarecimentos”. A equipe paranaense não se manifestou.

Pereira Bispo afirmava na ação que prestou serviços para a Esportes da Sorte por sete anos, entre 2016 e 2022. Depois de dispensado, buscou a Justiça para tentar comprovar um vínculo trabalhista e obter uma indenização de R$ 1,4 milhão.
“Como gerente-geral, o reclamante era responsável pela manutenção e funcionamento do site eletrônico; expansão do empreendimento para outras regiões de Pernambuco e outros estados”, sustentava no processo. “O autor principalmente era responsável por toda operação da empresa.”
Após os contatos da reportagem, o advogado protocolou um pedido para retirada dos documentos que estavam anexados à ação. A solicitação foi deferida na última quinta-feira, 16.
Os anexos têm extratos de movimentações financeiras que seriam relacionadas ao trabalho de Pereira Bispo como gerente e reproduções de conversas de WhatsApp que, segundo o ex-funcionário, seriam com Darwin Henrique da Silva Filho, executivo da Esportes da Sorte. Além disso, há um capítulo no qual o ex-funcionário sugeriu uma relação entre a bet e o jogo do bicho.
No anexo “14 - LOJAS DE RESPONSABILIDADE DO RECLAMANTE COMO GERENTE”, Pereira Bispo apresentou fotos e endereços de cinco bancas da Caminho da Sorte, a firma de jogo do bicho que estaria atrelada à Esportes da Sorte. Em todas há identificação visual das duas marcas nas fachadas.

O ex-gerente não usa o termo “jogo do bicho” na ação. Mas uma das imagens é da loja do bairro Afogados, onde houve a busca e apreensão no fim de 2022 que resultou na Operação Integration, da Polícia Civil de Pernambuco. Como mostrou o Estadão, o estabelecimento que fatura cerca de R$ 1 milhão por mês continua recebendo apostas ilegais.
Segundo as investigações, Darwin Henrique da Silva, o pai, é o dono da Caminhos da Sorte. Os advogados dele não comentam. A Esportes da Sorte rechaça relação com empresa, apesar do vínculo familiar entre os Darwins.
Em uma parte da ação, o ex-funcionário também faz acusações sobre a operação financeira da Esportes da Sorte. Segundo ele, a firma movimenta recursos por contas bancárias de terceiros para não pagar impostos. Diz, ainda, que teve de abrir uma empresa em seu nome para a sonegação.
“Os reclamados [grupo Esportes da Sorte] se utilizam de vários CNPJ’s e prepostos terceiros para fazer a movimentação financeira, seja para recebimento e pagamentos de clientes ou de funcionários”, dizia a ação. “Diante disso, o autor foi obrigado pela empresa para abrir a R. A. FACTORING E COBRANCA LTDA para receber valores da empresa por ordem dos empregadores, para desviar valores a fim de não efetuar o pagamento de impostos e taxas, contudo ficou com um débito tributário de R$ 110 mil.”
Bispo Pereira afirmava que pelas atividades que desempenhava recebia cerca de R$ 50 mil mensais. Entre elas estavam “realização da contratação de policiais para garantia da segurança e funcionalidade da operação nas regiões”,”captação de novos clientes para o site”, “contratação de parceiros para trabalhar no site” e “configuração de equipamentos eletrônicos”.
A ação também tinha mensagens de áudio e texto que ele atribuía a Darwin Filho. Elas continham orientações sobre a gerência do negócio, relação com fornecedores e expansão da atividade. Os registros indicam que o chefe da Esportes da Sorte estaria ciente sobre “cambistas de rua”, “praça boa” e lojas “com despesa muito alta”.
Ex-funcionário moveu dois processos antes de desistir de indenização
Rodrigo Bispo processou a Esportes da Sorte pela primeira vez em 11 de dezembro de 2022. Dez dias antes, a polícia havia cumprido um mandado de busca e apreensão na banca da Caminhos da Sorte em Afogados, no Grande Recife. Os documentos ali encontrados resultariam, em setembro de 2024, na Operação Integration.
O ex-funcionário desistiu dessa primeira ação. Segundo o advogado que o representava na época, Felipe Velloso, foi por uma estratégia jurídica depois que uma das empresas processadas conseguiu comprovar que não fazia parte do grupo da Esportes da Sorte.”Ficamos com medo de ter que pagar custas e honorários de sucumbência. Eu sugeri que a gente desistisse da ação e tentasse ingressar de novo contra a empresa certa. E assim foi feito. Só que antes de ingressar ele trocou o patrono”, contou o advogado.
A desistência se deu em abril de 2024. Em julho do mesmo ano, ele moveu uma nova reclamação trabalhista, com o outro advogado. A nova desistência se deu em outubro do ano passado.