Igreja dos Estados Unidos gera medo e destroça famílias no Brasil

Investigação revela que a Word of Faith Fellowship comanda 2 congregações no País e impõe uma interpretação rigorosa da Bíblia

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Por Peter Prengaman, Mitch Weiss e Holbrook Mohr
Atualização:
'Quando você está em uma seita, você não sabe que está em uma seita porque pouco a pouco isso se tornanormal', afirmou Juliana Oliveira Foto: Silvia Izquierdo/AP

SÃO JOAQUIM DE BICAS - Nas igrejas da Word of Faith Fellowship nas cidades brasileiras de São Joaquim de Bicas, na Grande Belo Horizonte, e Franco da Rocha, na Grande São Paulo, há sinais de famílias destroçadas por toda parte: pais separados dos filhos, irmãos que não se falam e avós que se perguntam se um dia conhecerão os netos.

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A agência americana Associated Press (AP) apurou que por duas décadas a matriz da Word of Faith Fellowship nos Estados Unidos comandou duas comunidades nessas cidades brasileiras valendo-se de uma interpretação rígida da Bíblia que inclui punições físicas e duras restrições aos integrantes.

Muitos dos mais de 30 ex-membros entrevistados pela AP disseram viver com eterno medo de retaliação. Alguns já tinham procurado ajuda psicológica. Outros se perguntavam como toleraram os abusos por tanto tempo.

A ex-integrante Juliana Oliveira, de 34 anos, lembra-se de quando a vida era normal na igreja de São Joaquim de Bicas, anos antes de os americanos virem de Spindale, no Estado da Carolina do Norte. Antes de mesmo de removerem as tradições brasileiras, os gritos e espancamentos começaram.

“Quando você está em uma seita, você não sabe que está em uma seita porque pouco a pouco isso se torna ‘normal’”, afirmou Juliana. “É como um sapo em uma panela de água. Quando está fervendo, ele não consegue pular fora.”

Grande BH.Segundo ex-integrante, a vida era normal na igreja de São Joaquim de Bicas, anos antes de os americanos virem de Spindale, no Estado da Carolina do Norte Foto: Silvia Izquierdo/AP

A disseminação da Word of Faith Fellowship no maior país da América Latina é parte de uma longa investigação da AP na igreja evangélica fundada em 1979 por Jane Whaley, uma ex-professora de matemática, e seu marido, Sam.

Com base em entrevistas exclusivas com dezenas de ex-membros, a AP informou em fevereiro que os integrantes nos Estados Unidos eram frequentemente espancados, esmurrados e sufocados para supostamente expulsar demônios e “purificar” pecadores. A AP também detalhou como a Word of Faith Fellowship frequentemente enviava aos país jovens brasileiros com vistos de turista e estudante para forçá-los a trabalhar na igreja e empresas dos líderes da seita.

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Nem Whaley nem os pastores das unidades brasileiras ligadas à Word of Faith Fellowship responderam aos pedidos para comentar o assunto.

A seita tem quase 2 mil membros somando Brasil, Gana e suas filiadas na Suécia, na Escócia e em outros países.

Em Spindale, há 750 integrantes. No Brasil, o controle das duas igrejas foi passado em uma lenta transição que culminou em regras drásticas para quase todos os aspectos da vida, segundo ex-integrantes.

Muitos dos decretos vinham de decisões de Jane na Carolina do Norte, como proibir o uso de calça jeans e impedir crianças conversarem com pessoas do sexo oposto sem aprovação.

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Em Franco da Rocha, ex-membros dizem que Jane os proibiu de jogar futebol às vésperas da Copa do Mundo de 2014 porque ela sentia que os jovens da igreja estavam focados no evento em detrimento de Deus.

“Nós acabamos de lidar com um grande ‘demônio do futebol’ que baixou no Brasil há duas semanas”, disse Jane aos integrantes em Spindale durante um sermão transmitido aos membros no Brasil e em Gana visto pela AP.

Quando Juliana era adolescente no final dos anos 1990, a escola evangélica que frequentava era “rigorosa, mas normal”. A Bíblia era o principal guia no Ministério Verbo Vivo, mas as matérias gerais eram ensinadas como em qualquer escola brasileira.

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Fachada da igreja em São Joaquim de Bicas.A seita tem quase 2 mil membros somando Brasil, Gana e suas filiadas na Suécia, na Escócia e em outros países Foto: Silvia Izquierdo/AP

Quando ela voltou da faculdade para dar aulas na mesma escola, a vida na Verbo Vivo era quase irreconhecível, disse Juliana, que rompeu com a Word of Faith em 2009.

Os livros didáticos analisados pela AP também mostram fortes restrições. Em vez da sexualidade humana, por exemplo, o ciclo da vida é ensinado por meio da reprodução de vegetais.

“A influência de pastores americanos foi se tornando cada vez mais forte na escola e na igreja”, afirmou Juliana, enxugando as lágrimas durante uma entrevista em sua casa na região de Betim, na Grande Belo Horizonte. “Eles interromperam a ênfase no ensino de Português, Geografia, Matemática - as coisas normais. E mudaram principalmente para o estudo da Bíblia e um monte de abusos.”

Os estudantes considerados “rebeldes” eram isolados na escola, obrigados a ler a Bíblia ou ouviam gritos por horas para “expulsar demônios”, de acordo com muitos ex-estudantes e seus pais.

Quando agentes públicos visitavam, a longa calçada com palmeiras do portão até a escola oferecia muito tempo para os funcionários da escola colocarem livros tradicionais e fazerem as coisas parecerem “normais”, segundo Oliveira.

Ao longo dos anos, ex-membros contaram que nas unidades brasileiras estavam sendo agredidos fisicamente e com gritos - a última é uma prática da Word of Faith Fellowship na qual os ministros e integrantes cercam os membros e soltam a voz por horas até os demônios saírem.

Flavio Correa, de 52 anos, disse que seu filho mais velho levou tantos tapas durante uma sessão de gritaria dos pastores na igreja de Franco da Rocha que sofreu vários cortes no rosto.

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“Naquele momento eu pensei que era absurdo, exagerado”, contou Correa, que deixou a igreja no ano passado após 23 anos. “Mas eu confiava neles e você começa a pensar que é bom para a pessoa. Hoje, eu só penso que é estupidez.” /COLABOROU SARAH DILORENZO