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Invasão tem imóvel de 3 quartos a R$ 10 mil

Torres abandonadas por empresa falida têm cooperativa de lixo e forró

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Com direito a bar, forró e cooperativa de reciclagem, um grupo de 150 famílias mantém no Jabaquara, na zona sul de São Paulo, um condomínio vertical com imóveis de três quartos negociados a menos de R$ 10 mil. Um a um, os 96 apartamentos de duas torres abandonadas do Condomínio Central Park, na Rua Cruz das Almas, foram invadidos nos últimos cinco anos. Sem nenhuma intervenção do poder público ou dos antigos proprietários, os sem-teto realizaram ligações clandestinas de esgoto e luz, cobriram os fossos dos elevadores, instalaram antenas parabólicas, fecharam paredes inacabadas e construíram até um playground. "Agora vai ter uma escola da Prefeitura aqui do lado. Olha lá, que construção bonita. Tem gente vendendo apartamento por R$ 8 mil agora. O meu mesmo teve uma mulher que quis comprar no fim de semana por R$ 9 mil", conta Luciene Palma, de 34 anos, uma das primeiras a chegar, em 2003. Além da escola de R$ 5 milhões prevista para o fim do ano, o governo está construindo uma praça ao lado da invasão. A Estação Jabaquara do Metrô e o pronto-socorro do Hospital Saboya ficam a menos de 200 metros. "Já temos nossa cooperativa de lixo aqui dentro. Esse lugar é VIP", brinca ela, que colocou piso frio no imóvel onde mora. Além dos apartamentos, as famílias construíram cerca de 30 barracos nos dois subsolos das torres, onde ficariam as garagens dos edifícios erguidos e abandonados pela falida construtora Caporrino Vieira entre 1989 e 2002. Outras duas torres, também abandonadas, foram concluídas por mutuários que citam a invasão vizinha como o principal motivo da desvalorização na região. Os sem-teto dizem ser alvo de discriminação dos moradores do bairro. MOBILIZAÇÃO Os vizinhos das torres concluídas foram ao Ministério Público pedir a desocupação das áreas invadidas em 2004. Uma ação civil pública foi aberta e, no dia 3, o juiz da 10ª Vara da Fazenda Pública, Valentino Aparecido de Andrade, determinou em liminar que a Prefeitura faça a reintegração de posse das torres em até 30 dias. O governo informou que estuda se vai recorrer da decisão. "A municipalidade vai arcar com o que entender que é de sua responsabilidade, como, por exemplo, a assistência social aos ocupantes do prédio e alternativas habitacionais", informou a Secretaria Municipal de Assuntos Jurídicos, no início da noite de ontem, por meio de nota. Nenhum representante da Caporrino Vieira foi encontrado para comentar. "A Prefeitura deveria ter feito essa reintegração de posse em 2006, quando tinham menos de 30 famílias no local. Agora são mais de 150, o problema ficou gravíssimo. Tem muito lixo, esgoto e não sabemos como é armazenado gás lá dentro. Já houve uma explosão no ano passado", diz Gabriela Barros, a advogada que representa os vizinhos contrários à invasão. Moradores da Rua dos Buritis, onde há dezenas de edifícios de classe média, também relatam "movimentações estranhas" no local. "Já vi um carro sendo cortado de madrugada. E toda noite eles fazem fogueira no teto das torres e ficam fumando crack", diz uma vizinha. "Meu apartamento valia R$ 130 mil e agora ninguém paga R$ 80 mil. Ninguém quer morar do lado de uma favela." Os vizinhos associam os invasores a assaltos no bairro, mas não existem estatísticas de ocorrências no 97º DP (Americanópolis) que comprovem a versão. "É puro preconceito. Antes de as famílias chegarem, só tinha travesti e drogado aqui de madrugada. Fizemos um bem para os vizinhos ao ocuparmos dois esqueletos abandonados", argumenta Luiz Onório, de 51 anos. O barulho relatado por vizinhos é confirmado pelos sem-teto, que até brincam com a indignação pelos forrós realizados aos sábados na garagem de uma das torres. "Eles (vizinhos) estão com inveja porque aqui também têm três quartos, só que não há essa Lei do Silêncio tão chata. Todo mundo pode dançar e escutar música alta no fim de semana."

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