
Desde o dia 13, alunos não podem mais usar celulares e tablets pessoais nas escolas brasileiras de Ensino Fundamental e Ensino Médio. A lei 15.100/2025, que visa "salvaguardar a saúde mental, física e psíquica das crianças e adolescentes", também é positiva frente às enormes perdas pedagógicas que esses equipamentos produzem. Mas ela não resolve o problema da superexposição dos mais jovens às telas, pois isso acontece principalmente em casa.
É um desafio complexo, pois vivemos em um mundo profundamente digitalizado, desde tenra idade. A pesquisa TIC Kids Online Brasil 2024, publicada em outubro pelo Cetic.br, órgão de pesquisas do CGI.br (Comitê Gestor da Internet no Brasil), indicou que 93% dos brasileiros entre 9 e 17 anos usam a Internet, quase sempre pelo celular. Praticamente todas as crianças ficam online em casa, e cerca de metade fazem isso na escola. E o primeiro contato se dá até os 6 anos para 23% e entre 7 e 9 anos para 26%, contrariando especialistas, que indicam que isso só comece na adolescência.
A lei reforça a autoridade do professor, que hoje tem que lutar contra as distrações do celular na sala de aula. Mas pais e mães precisam trabalhar com as escolas para combater os efeitos das telas sobre seus filhos, que vão muito além de piora no desempenho escolar. Elas podem causar sérios problemas de saúde mental, sono ruim, dificuldade de sociabilização, exposição a assédios, distúrbios alimentares e até de postura.
A tarefa cresce porque, por outro lado, os mais jovens precisam ser educados a usarem esses equipamentos de maneira segura e positiva. A proteção às crianças e aos adolescentes não pode ser confundida com alienação tecnológica.
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Tanto é assim que a lei permite que esses equipamentos sejam usados em atividades pedagógicas sob orientação do professor. Eles também podem ser usados por alunos que dependam deles por necessidades de saúde, acessibilidade ou inclusão.
A regra determina que não sejam usados nem no recreio ou nos intervalos entre aulas. Estudo realizado em 2023 pela Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) indicou que o "dreno de atenção" dos smartphones é tão grande, que os alunos podem levar até 20 minutos para se concentrar novamente depois de usarem o celular em atividades não-acadêmicas. Mas o documento lembra que a tecnologia deve fazer parte da formação do indivíduo.
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"É muito importante entender que olhar para os riscos de forma alguma exclui a necessidade de apropriação de tecnologias na educação", afirma Ana Lucia de Souza Lopes, doutora em Educação e especialista em Educação e Tecnologias, e coordenadora na Universidade Presbiteriana Mackenzie. Para ela, "é muito simplista pensar dessa maneira, pois estamos diante de um grande desafio que precisa ser enfrentado para encontrar o equilíbrio".
Portanto, a lei não propõe que o problema seja "varrido para baixo do tapete". "A simples proibição do uso de celulares, sem o devido contexto, pode gerar desafios, como resistência ou ansiedade, especialmente em crianças e jovens que já apresentam sinais de dependência tecnológica", explica Maria Eduarda Menezes, coordenadora de edtech da Beacon School. "Por isso, mais do que proibir, é essencial adotar uma abordagem educativa e dialógica", acrescenta.
Não se pode achar que a escola dará conta disso sozinha, mas ela desempenha um papel essencial, por ser um lugar que prioriza o cuidado com o ser humano. Ela pode também instruir pais e mães a como lidar com essa questão, pois o uso equilibrado da tecnologia que começa na escola deve continuar em casa. Pouco adianta restringir o acesso ao celular e liberar outras telas, como o videogame e a televisão. Os responsáveis também devem avaliar se o celular é realmente necessário para os filhos ou se o oferecem apenas por pressões sociais ou modismos.
Combate ao "vício"
Se os adultos sofrem um impulso às vezes incontrolável de olhar informações no seu celular, isso é ainda mais forte em adolescentes. E não raro elas dominam a tecnologia melhor que seus pais, mas não sabem usá-la para aprender.
"É importante incluir letramento digital e cidadania digital nos currículos das escolas, pois permitem que os alunos compreendam como as tecnologias funcionam, saibam utilizá-las de maneira ética e responsável e desenvolvam habilidades para navegar com segurança no ambiente online", explica Menezes.
Lopes explica que a escola deve oferecer aos estudantes estruturas de convivência e desenvolvimento que ampliem seus repertórios além das telas. "Ou, ao chegar da escola, os estudantes irão diretamente para a tela para compensar as horas de 'privação', agravando o quadro", acrescenta.
Nada disso é simples, e a maioria dos professores não está preparada para incorporar essas demandas em suas aulas. Sua formação deve ser atualizada para conhecerem os riscos e desafios de lidar com a tecnologia digital, mas também para a enxergarem além de uma mera ferramenta, descobrindo como aproveitar seu potencial e compreender o papel que ocupa em nossas vidas. Para os docentes já formados, as escolas e o governo devem oferecer capacitação contínua.
Esse papel aparece em um alerta que alguns especialistas fazem sobre uma brecha na lei, que permite que os celulares sejam usados em aula para "garantir os direitos fundamentais", sem explicar quais seriam. Eles temem que alguns alunos usem isso para manter a prática de filmar professores que digam algo com o que não concordem, em uma reprovável tentativa de exposição e até criminalização dos docentes. Vale dizer que isso afronta o direito à imagem garantido pela Constituição e pela Lei Geral de Proteção de Dados. Por isso, o governo deve explicar melhor o que são tais direitos, no processo de regulamentação da lei, que deve acontecer em 30 dias.
De qualquer forma, ela é muito bem-vinda, e deve auxiliar na solução de graves problemas causados pelo uso descontrolado desses dispositivos na escola. Abre também uma porta para se construir uma boa educação digital na escola e em casa.
Smartphones não podem ser vistos como meros brinquedos ou -pior ainda- uma "chupeta digital" para acalmar os mais jovens. Crianças e adolescentes merecem o apoio de pais, mães e educadores para se apropriarem de todo esse poder digital de maneira segura e construtiva. Essa é uma tarefa de toda a sociedade.