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Opinião|Digitalização moderniza o conservadorismo da construção civil

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Atualização:

Códigos QR da ConstruCode espalhados pelos canteiros de obras permitem às equipes ter acesso a plantas sempre atualizadas - Foto: divulgação

A transformação digital vem dando passos importantes em um dos setores mais conservadores na adoção de tecnologia: o da construção civil. Ideias simples e bem executadas podem trazer ganhos expressivos em obras, com a redução de custos e tempo de conclusão. Além disso, a comunicação entre as diversas áreas fica mais fluida, evitando retrabalho.

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As construtechs -como são chamadas as startups desse segmento- puxam as novidades. Uma delas é a Agilean, criada em 2013 em Fortaleza. A empresa desenvolveu uma plataforma que automatiza toda a gestão de obras, baseada na metodologia lean. Por esse trabalho, acaba de ser uma das 87 escolhidas para programa de aceleração das empresas Scale-Up, da Endeavor.

Essa metodologia propõe melhorar os resultados de negócios, otimizando processos e evitando desperdícios. No caso da plataforma da Agilean, a digitalização de todos os processos relacionados às obras e coletas nos canteiros facilitadas pelo uso de aplicativos diminuem o tempo de tomadas de decisões, pois as informações ficam disponíveis em tempo real a todos que precisam delas.

André Quinderé, CEO da empresa, explica que a ideia da plataforma veio da observação de relatórios de obras que estavam corretos, mas, quando ficavam disponíveis, já estavam desatualizados. "Tinha a impressão de que o gestor tomava decisão olhando no retrovisor", afirma. Como resultado, os responsáveis fazem muitas escolhas erradas. Segundo ele, 10% dos custos da construção civil se devem a retrabalho.

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O desalinhamento entre as obras e os escritórios de projeto e informações desatualizadas entre os dois lados podem causar inúmeros problemas e desperdícios. Essa é uma dor histórica do setor que outra construtech, a ConstruCode, tenta resolver. "O desempenho produtivo grita por digitalização de canteiros, é lá que temos os maiores lucros ou prejuízos", afirma Diego Mendes, engenheiro civil e CEO da ConstruCode.

Com uma solução engenhosa, baseada em códigos QR espalhados por todos os locais dos canteiros de obras, ela garante que a equipe tenha sempre uma planta atualizada para guiar os trabalhos. Um leigo pode achar que existe uma única planta, mas são feitas constantes atualizações. Isso exige incontáveis reimpressões, além do risco de a equipe estar construindo com uma planta desatualizada.

Isso é possível porque qualquer pessoa da obra pode usar um celular ou tablet para escanear os códigos espalhados por toda obra para baixar instantaneamente os diferentes tipos de documentos com a garantia de que são atualizados. Com isso, segundo Mendes, a redução de gasto com projetos impressos chega a superar 90%. Pelos seus cálculos, uma única obra pode gerar mais de 120 mil impressos. "Até quando a maior das indústrias, com 13% do PIB global, continuará construindo igual", questiona.

A solução da ConstruCode também traz um outro ganho que não costuma ser visto nos poucos softwares do setor: a inclusão digital de mestre de obra e suas equipes. "Lembro de ter escutado de muitos gestores de grandes empresas que as equipes de obra dele não eram capazes de usar um aplicativo para ler projetos no celular ou tablet", conta Mendes.

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Essa afirmação lhe parecia estranha em um país com dois celulares por habitante. Como entendeu que o sucesso do projeto dependia de sua utilização por todos, o executivo ouviu as demandas desse grupo, para criar uma interface adequada a sua visão da obra, as condições em que ela acontece e aos equipamentos disponíveis.

 

Pessoas no centro

Quinderé reforça isso, explicando que a transformação digital envolve pessoas, processos e tecnologia. Nenhum deles pode ser preterido. Para ele, a construção civil é um setor muito tradicional, com um produto com uma vida útil longa. Por isso, as empresas têm muito medo de a inovação gerar problemas novos.

Mas não dá mais para continuar assim. "Temos uma nova conjuntura do nosso mercado, uma pressão de custos, de melhorar a produtividade, um momento de alta inflação do nosso setor", justifica. "As empresas, para manter sua margem, precisam fazer diferente: a inovação deixou de ser acessório e passou a ser essencial."

A resistência à inovação em setores muito consolidados sempre existiu. Quanto mais tradicional o segmento, menos tolerante a falhas. Mas, para o guru da administração americano Tom Peters, "o fracasso é ingrediente do sucesso". Segundo ele, à medida que um ambiente se torna mais competitivo, a inovação fica mais necessária. Fazer as coisas de maneira diferente, traz, entretanto, riscos. Dessa forma, aqueles que não querem correr riscos não tentam algo novo, mas a única maneira de se manter competitivo hoje é justamente tentando. É por isso que as empresas precisam de ferramentas e metodologias que lhes permitam inovar com riscos menores.

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Nesse sentido, Mendes sugere focar esforços nos problemas que realmente podem ser dominados, "não mais fazendo ajustes pontuais em tarefas repetitivas, mas eliminando-as definitivamente, através de processos e tecnologias que incluem os canteiros de obras em uma rota de produtividade alavancada." Para Quinderé, as construtoras chegaram em um momento em que não podem repassar mais preços ao mercado. "Para manter a minha margem, eu tenho que ser mais eficiente, e um caminho é digitalizado a gestão", explica.

Os números das duas empresas indicam que, apesar do conservadorismo, esse mercado começa a inovar. A Agilean, por exemplo, já digitalizou mais de 6 milhões de metros quadrados em obras de todo o país. Já a ConstruCode está presente em mais de 1.400 obras no país.

Para Mendes, a conta é simples. "A transformação digital é uma realidade superacessível, e, dado ao seu alto retorno, caro mesmo é permanecer repetindo processos manuais."

 

Opinião por Paulo Silvestre

É jornalista, consultor e palestrante de customer experience, mídia, cultura e transformação digital. É professor da Universidade Mackenzie e da PUC–SP, e articulista do Estadão. Foi executivo na AOL, Editora Abril, Estadão, Saraiva e Samsung. Mestre em Tecnologias da Inteligência e Design Digital pela PUC-SP, é LinkedIn Top Voice desde 2016.

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