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Opinião|Redes sociais normalizam o enlouquecimento do mundo

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Geoffrey Hinton, o "padrinho da inteligência artificial", é um dos cientistas que pedem seu desenvolvimento mais ético - Foto: reprodução

Desafios do nosso tempo se intensificam a um nível que beira o insuportável, afetando todos nós. O Brasil arde em chamas, enquanto a população mundial sofre com rápidas e enormes variações climáticas. O extremismo das plataformas digitais racha sociedades, gerando políticos que usam insultos grotescos e violência física no lugar do debate de ideias. O abuso da liberdade de expressão liquida a convivência cívica e o respeito a valores básicos, em nome de se dizer o que se pensa. E o cibercrime transforma smartphones em riscos potenciais para nossa identidade e nosso dinheiro.

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Nada disso existia há apenas uma década, mas hoje esses problemas exigem enorme quantidade de energia. Por vezes, nos sentimos sufocados e impotentes, como se não houvesse saída.

Os mesmos recursos digitais que nos brindam com impressionantes facilidades normalizam esses absurdos. Os smartphones se prestam tanto a nos monitorar continuamente, quanto a nos afogar em conteúdo de valor questionável. As redes sociais manipulam nossos cérebros e corações com seus algoritmos de relevância. E a inteligência artificial pode agravar tudo isso.

Se nada for feito, o turbilhão nos levará ainda mais para o fundo! Mas duas iniciativas internacionais podem indicar caminhos para resgatarmos dias mais dignos.

Na primeira delas, a ONU (Organização das Nações Unidas) prepara um documento com propostas para definir limites às plataformas digitais e criar padrões éticos para o desenvolvimento e o uso da IA. Ele resulta de quatro anos de debates entre os representantes dos 193 países da organização. Deve também ser criado um órgão internacional para fiscalizar seu desenvolvimento.

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Como tudo que o organismo cria, o chamado Pacto do Futuro, não terá força de lei. Mas pode criar boas práticas para um uso mais equilibrado dos recursos digitais.

A proposta também incentiva a alfabetização digital e a educação midiática, além de apoiar o jornalismo, para que os cidadãos desenvolvam um senso crítico que minimize a manipulação pelas plataformas digitais.

Em outra iniciativa, lideranças científicas em IA de diversos países publicaram uma carta aberta pedindo regras claras para um desenvolvimento mais seguro da tecnologia. Entre eles, estão Geoffrey Hinton, Yoshua Bengio e Andrew Yao, ganhadores do Prêmio Turing, considerado o Prêmio Nobel da Computação.

Os cientistas escreveram que "a perda do controle humano ou o uso malicioso desses sistemas de IA pode levar a resultados catastróficos para toda a humanidade a qualquer momento". Eles pedem compromissos de desenvolvimento ético da IA e uma cooperação internacional para uma fiscalização independente.

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Nenhuma das iniciativas propõe barreiras à inovação, um temor daqueles que querem que as redes sociais e a IA avancem sem limites. Apenas determinam que isso seja feito colocando os interesses da humanidade à frente dos desenvolvedores.

Se isso tivesse sido feito há uma década, talvez não teríamos esses problemas bárbaros. E do ponto de vista de inovação, continuaríamos bem.

Regulamentar um mercado não impede seu avanço. Basta observar que algumas das indústrias mais inovadoras do mundo também são as mais regulamentadas, como a automobilística e a farmacêutica.

Precisamos ser capazes de parar e discutir a implantação dessas propostas, mas reconheço ser difícil. Essas mesmas plataformas digitais nos mantêm continuamente acelerados, a um ponto de que muitas pessoas sequer são capazes de enxergar esses enormes problemas, defendendo irrefletidamente os interesses das big techs.

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Há ainda complexos interesses nacionais envolvidos. O domínio da inteligência artificial despontou como a mais importante arma geopolítica das próximas décadas. EUA e China, os grandes opositores do cenário global, dominam essa corrida, e não querem ser superados em algo que pode levá-los a uma dominação planetária.

Enquanto os países continuarem colocando seus interesses à frente dos da humanidade, veremos a ganância econômica e política, e o negacionismo científico e educacional dando as cartas e agravando esses problemas.

Temos que desacelerar e raciocinar! Caso contrário, corremos o risco de sair da pista com tanta velocidade.


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Opinião por Paulo Silvestre

É jornalista, consultor e palestrante de customer experience, mídia, cultura e transformação digital. É professor da Universidade Mackenzie e da PUC–SP, e articulista do Estadão. Foi executivo na AOL, Editora Abril, Estadão, Saraiva e Samsung. Mestre em Tecnologias da Inteligência e Design Digital pela PUC-SP, é LinkedIn Top Voice desde 2016.

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