Maior controle torna brasileiros ilegais 'prisioneiros no paraíso'

Antropóloga diz que fenômeno se intensificou após o 11 de Setembro.

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Por Adriana Stock
4 min de leitura

José* respira fundo antes de responder se tem saudade do Brasil. "É muito difícil falar sobre isso", diz com a voz embargada. Desde 2001, quando entrou nos Estados Unidos ilegalmente pela fronteira com o México, José não voltou mais ao país, onde deixou dois filhos pequenos e os pais, já idosos. José é apenas um entre milhares de brasileiros classificados em um trabalho recente da antropóloga Maxine Margolis, da Universidade da Flórida, -uma das maiores autoridades em imigração brasileira nos Estados Unidos- como "prisioneiros do paraíso". Sem documentos que permitam a permanência no país, esses imigrantes passam anos sem ir ao Brasil por medo de nunca mais conseguirem entrar nos Estados Unidos. "Quando deixei o Brasil, meu filho mais novo tinha dois anos". No último aniversário do filho, que fez oito anos em outubro, os dois se falaram por telefone. "Sabe o que ele disse no telefone para mim? Disse: 'Pai, eu queria conhecer o senhor'. Meu coração parecia que ia sair para fora. Imagina ouvir isso de um filho", desabafou José. 'Limbo' Em seu artigo, intitulado "September 11th and Transnationalism: The Case of Brazilian Immigrants in the United States", Maxine Margolis argumenta que, desde os ataques de 11 de setembro de 2001, as restrições à imigração aumentaram e, conseqüentemente, os imigrantes "perderam a habilidade física de cruzar as fronteiras". "Muitos brasileiros que vivem nos Estados Unidos há anos e têm empregos e famílias neste país, não conseguem visitar o Brasil, ir a casamentos de parentes ou até a funerais", disse Margolis à BBC Brasil. Ela conta o caso, por exemplo, de um brasileiro, em situação ilegal, que morava no Queens, em Nova York, onde tinha uma pequena empresa. Após descobrir que o pai estava muito doente, ele decidiu ir ao Brasil. A esposa e o filho recém-nascido ficaram em Nova York. Ao tentar retornar aos Estados Unidos, o brasileiro foi detido no aeroporto JFK e deportado imediatamente. A distância de parentes e de outras pessoas queridas "é o preço que se paga", comenta Rogério*, há três anos nos Estados Unidos, onde trabalha como entregador e pintor. Desde 2004, ele não vê os pais, mas é quando ele fala da ex-namorada que sua voz estremece. "Era o grande amor da minha vida", disse. A namorada de nove anos de relação não conseguiu visto para entrar nos Estados Unidos e o dinheiro para pagar a entrada ilegal pelo México, na época US$ 7 mil, dava apenas para um deles. Rogério conseguiu entrar pela fronteira com o Texas e viajou até Connecticut, onde já estavam um primo e o irmão. Não ouviu mais falar da namorada e não tem esperanças de reatar a relação no futuro. "Ela já deve ter refeito a vida", conforma-se. Alguns brasileiros, no entanto, não agüentam a depressão profunda causada por essas e outras dificuldades da vida de imigrante e "buscam consolo no álcool, nas drogas" ou até optam por atitudes extremas, como tentativas de suicídio, relata Antonio Tertus, pastor da Comunidade Cristã Scranton, na Pensilvânia. "Já atendi vários casos de tentativa de suicídio. Em um deles, um jovem de 23 anos, que está longe da familia, me falou que estava prestes a se jogar da sacada de um prédio porque não aguentava mais o sofrimento. São casos muito tristes", contou o pastor. "Não sei se compensa o desgaste que eles têm, o que eles sofrem aqui, por dinheiro." Apesar de ter sido analisado apenas nos Estados Unidos por Maxine Margolis, o fenômeno é comum entre imigrantes de outros países. Maurício*, por exemplo, chegou a Londres em 2001, quando deixou a cidade natal de Valência, na Bahia, por achar que a vida lá "não tinha futuro". Desde então, não voltou para "casa". Para ele, a distância se tornou ainda mais dramática ao descobrir, no seu segundo ano na Inglaterra, que tinha um tumor cancerígeno no cérebro. "Fiquei desesperado só de pensar que podia acontecer alguma coisa comigo enquanto estivesse longe de casa, mas sei que, se estivesse no Brasil, provavelmente, não estaria aqui, dando esta entrevista para vocês", disse. Maurício* está à espera de uma decisão do governo britânico sobre sua permanência no país e não arrisca voltar ao Brasil para não perder a chance de permanecer na Inglaterra legalmente. "Me sinto um passarinho na gaiola", disse. "Mas estou lucrando, trabalhando e ainda quero realizar meu sonho de montar um negócio", concluiu. Oportunidades O que segura esses brasileiros no exterior é a oportunidade de se ganhar mais dinheiro do que no Brasil. De acordo com a pesquisa feita por Margolis, em apenas uma semana de trabalho nos Estados Unidos, os imigrantes conseguem receber o equivalente a quatro semanas de trabalho no Brasil. "Nao estudei. No Brasil, eu trabalhava como motorista. O salário não cobria as despesas do mês. Aqui, tenho um bom nível de vida e até já consegui comprar um terreno em Goiás", contou José. "O dólar, agora, está nos atrapalhando, mas acho que, daqui a uns seis meses, consigo pagar a minha dívida. Quando conseguir isso, vou voltar", disse o brasileiro que vive nos Estados Unidos junto com a esposa - após três anos, ela conseguiu entrar no país também ilegalmente. Os filhos, no entanto, ficaram para trás. Já Rogério planeja voltar ao Brasil no ano que vem. "Já me cansei disso aqui. O trabalho compensa, se você tiver uns dois serviços. Mas é melhor viver no Brasil", disse o goiano. "Lá, você pode aproveitar a vida, sair, ficar com a família, fazer um churrasco com os amigos. Às vezes, não tenho nenhuma folga na semana. Aqui, a vida é corrida demais." *Nomes fictícios. Os entrevistados pediram que não fossem identificados na reportagem. BBC Brasil - Todos os direitos reservados. 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