A economia brasileira deve crescer 5,2% neste ano, com geração de 1,6 milhão de empregos formais e inflação sob controle, segundo o ministro da Fazenda, Guido Mantega. Ele apresentou esse quadro de "crescimento com qualidade" na primeira reunião ministerial de 2010, na presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A ênfase na ideia de "qualidade", isto é, de expansão sem desequilíbrios, foi um recado ao setor financeiro: é melhor não apostar em novo aumento de juros nos próximos meses. E se, apesar do otimismo exibido pelo ministro, surgirem pressões inflacionárias? O assunto já foi examinado numa reunião restrita do ministro da Fazenda e do presidente do Banco Central (BC), Henrique Meirelles, com o presidente Lula. O ministro já definiu uma estratégia para neutralizar qualquer pressão significativa sobre os preços. Poderá reduzir tarifas de importação para aumentar a oferta, se houver problemas em algum setor. O arsenal inclui também a redução da Cide, contribuição cobrada sobre combustíveis, e do IPI. Além disso, o governo deverá cumprir integralmente o compromisso de acumular superávit primário equivalente a 3,3% do PIB, sem excluir do cálculo, como em 2009, programas de investimentos. Pelo menos, segundo as fontes da Fazenda, essa é a intenção. O interesse do ministro vai além, obviamente, do controle da inflação. Qualquer aumento de juros pelo BC, nos próximos meses, será muito malvisto por todos os ministros e assessores presidenciais empenhados na campanha eleitoral. É parte essencial da estratégia garantir um crescimento econômico sem solavancos e sem freadas inoportunas, até o resultado final das urnas. O ministro da Fazenda tem a seu lado os dirigentes das principais entidades do empresariado. Segundo o último relatório da Confederação Nacional da Indústria (CNI), divulgado na quinta-feira, o nível de utilização da capacidade instalada aumentou em novembro e chegou a 82,4%. Foi o quinto aumento mensal consecutivo e o nível alcançado foi o mais alto desde outubro de 2008. Mas ainda há espaço para crescimento sem pressão inflacionária, segundo o economista Flávio Castelo Branco, da CNI. Na média de janeiro a novembro de 2009, disse ele, o uso da capacidade ainda ficou abaixo do registrado em igual período de 2008. Pode-se discutir o peso desse argumento. Só não pode haver dúvida quanto ao esforço para afastar a hipótese de pressão inflacionária.O ministro Mantega reforçou essa linha argumentativa com a projeção de investimento 16,1% maior que o do ano passado. Em 2009, o País investiu 10% menos que em 2008 em máquinas, equipamentos, obras de infraestrutura e outras instalações, segundo a estimativa apresentada pelo ministro. Com a retomada, a capacidade produtiva crescerá de novo e isso compensará ? este é o raciocínio ? a expansão da demanda, neutralizando o risco de aumentos de preços. Toda essa discussão é altamente especulativa. Se os dirigentes do BC conseguirem manter-se fora da campanha eleitoral, suas decisões sobre os juros serão pautadas, nos próximos meses, por análises próprias de um grande conjunto de indicadores. A última projeção de crescimento econômico divulgada pelo BC ? 5,8% ? é maior que a do Ministério da Fazenda. Apesar disso, Meirelles e seus companheiros ainda exibem tranquilidade quando falam sobre o risco de inflação. Mas nunca deixam de lembrar o compromisso da instituição com a estabilidade de preços. A melhor contribuição do Ministério da Fazenda para evitar ou neutralizar pressões inflacionárias será mesmo o cumprimento integral da meta de superávit primário, o excedente fiscal obtido pelo governo para o pagamento de juros. Para isso, será preciso maior controle do gasto público ? um desafio especial, em ano de eleições. Facilitar importações pode resolver algum problema setorial, nada além disso. De resto, o corte de tributos poderá apenas baratear certos itens, momentaneamente, sem neutralizar o excesso de demanda. Por uma notável coincidência, técnicos e dirigentes do BC manifestaram, em recentes publicações, preocupação com as contas públicas, a principal fonte dos desajustes econômicos. Se quiser mesmo evitar problemas, o ministro da Fazenda deverá cuidar desse ponto.
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