Marenco, o homem dos 3 mil sinos

Em fábrica de Pirituba, imigrante já produziu instrumentos para igrejas do Brasil e do exterior

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Só de ouvir o toque do sino, Sérgio Marenco já sabe qual é a nota musical. Sim, porque sino que se preze vai muito além do popular "blen-blen-blen" que embala festas natalinas. Dependendo do peso e do diâmetro, há 237 combinações possíveis. Todas perfeitamente decifráveis para esse italiano que desembarcou na década de 50 em São Paulo. Um ano depois, trouxe mulher, dois filhos, sogros e duas cunhadas e há cinco décadas se dedica a manter o ofício do sogro Giácomo Crespi - cuja família fabricava sinos há 500 anos em Crema, na Itália - num pequeno galpão em Pirituba, zona oeste da capital. "É a fábrica de sinos mais antiga do mondo! Non podemos acabar com a tradizione", resume ele, aos 79 anos, com forte sotaque. Nesses 50 anos, a Fundição de Sinos Artísticos Crespi já imprimiu seu nome em mais de 3 mil grandes sinos no Brasil e no exterior. Na capital, eles embalam as missas do Mosteiro da Luz há pelo menos duas décadas. Na Capela de Santo Expedito, são mais recentes - têm três anos. Badalam ainda em 400 igrejas da cidade, como a da Consolação, de Nossa Senhora de Monte Serrat, no Largo de Pinheiros, e de Nossa Senhora da Paz, no Glicério. E em paróquias do Rio Grande do Sul à Paraíba, de Minas ao Pará. Seus sinos dobram ainda em Estados Unidos, Turquia, Egito e até no Vaticano. E em igrejas luteranas e ortodoxas. Mas são pelos sinos da Igreja de Nossa Senhora Aparecida, no bairro do Ipiranga, que ele tem especial carinho. É um carrilhão - conjunto de 12 sinos -, no qual o maior pesa 2 toneladas. "O maior feito pelos Crespi em San Paolo", garante. Como gratidão, o "paulistano de Gênova" doou os sinos para a igreja do Pátio do Colégio, roubados havia mais de 15 anos, e para o monumento denominado Marco da Paz. Como "os sinos são para sempre" - como ele gosta de dizer - e acabaram desprezados pelas igrejas evangélicas pentecostais, a produção caiu nos últimos anos. Atualmente, a fábrica atende a uma encomenda de quatro sinos para a Catedral de Rio Branco, no Acre, que, juntos, pesam 1 tonelada e levarão cerca de 40 dias para serem entregues. E a uma porção de pedidos para decoração de Natal. Feitos de liga de bronze, muitos são alvo de roubos nas igrejas. Um quilo do metal custa em torno de R$ 60. Um sino pequeno, de 300 quilos, sai por R$ 18 mil. "Com um sino piu grande, io comprava uma casa em Pirituba", lembra - não por acaso, ele tem quase 200 imóveis no bairro. Marenco reclama que "tudo agora é eletrônico". Já não existe mais o sacristão para puxar as cordinhas do badalo. Grande parte das igrejas adota um sistema elétrico que faz o sino soar no horário determinado. As paróquias menores usam alto-falantes que reproduzem os sons das badaladas originais. A forma de gravação também mudou. As letras eram feitas de cera e coladas com manteiga. Para evitar a queda, ele preparava uma mistura de clara de ovo, telha socada, terra e crina de cavalo. Hoje, as letras são de plástico e é utilizada cola. "As letras de plástico podem ser reutilizadas e o processo é mais rápido", diz Roberto, o único dos quatro filhos que seguiu os passos do pai e comanda a fábrica há três anos. A fabricação, no entanto, segue a mesma forma artesanal há cinco séculos. Primeiramente, o desenho é feito em madeira, chamada chapelona, com o formato, a espessura, o peso, a nota musical, o diâmetro e a altura. Em seguida, é feito o modelo em argila. Depois de seco, as gravações são aplicadas e o sino é coberto com terra sintética. Após a secagem com carvão, o modelo vai para a fossa de fusão. A nostalgia de Marenco aumenta quando ele desce até a sala no andar inferior do amplo sobrado com mais de 30 cômodos, onde tem um pequeno museu. Orgulhoso, ele mostra fotos, cartões-postais, prêmios e recortes de jornais amarelados com manchetes sobre a chegada do sino às cidades. "Era una festa, com desfile e discurso do prefeito. Naquela época, as personas tinham amore pelo sino." Nas andanças para venda e instalação de sinos, viajou para mais de 400 cidades, sempre de ônibus. Ele relembra a aventura até a Catedral de Uapés, na Amazônia, em 1964, quando conheceu tribos indígenas e viajou com os irmãos Villas-Boas. Sua maior alegria era ouvir o toque do badalo após o conserto. Ele ensina que a liga de bronze, composta por 80% de cobre e 20% de estanho, garante a sonoridade perfeita. Quanto mais fino o metal, mais agudo é o som. Quanto mais grosso, mais grave. A escolha correta depende do tamanho da igreja e do número de instrumentos. "As capelas usam sinos em dó bemol ou ré bemol." Com cinco instrumentos, se pode tocar Louvando à Maria. Com oito, é possível tocar qualquer música. Outro segredo é a boa instalação. Ele subiu em muitas torres altas para colocar um sino porque até o bombeiro ficava com medo. Em outras duas salas, ele guarda documentos, quadros e lembranças da Itália. Seus dedos ágeis folheiam livros sobre a saga da família. "Domenico Crespi inventou o relógio monástico" e "o primeiro sino com nota musical foi instalado na Basílica di Santa Maria, em Crema, por Giovanni Crespi." Sua mulher, Giuseppina, de 83 anos, se junta à conversa e reforça as memórias. Ela conta que na 2ª Guerra Mundial o governo de Benito Mussolini retirou todos os sinos para derreter e transformar em canhões. Seu sonho é transformar esse acervo em museu. E realizar ainda outro desejo: fazer um teleférico no Pico do Jaraguá igual ao de Santa Margherita Ligure,sua cidade natal. O projeto inclui parque de diversão, restaurante e, claro, um grande sino. "Quando ouço um sino, sempre peço a Dio que proteja minha famiglia e o Brasil". Ecco!

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