Eu li no jornal que a formidável máquina de levantar dinheiro para a campanha do presidente eleito Barack Obama não foi bem aquela história de arrecadar 200 dólares aqui, outros tantos ali, do povo bacaninha enviando seus suados caraminguás. Um sinal visível de seu apoio popular, entre as camadas menos favorecidas, ou apenas levemente favorecidas. Nada disso. O Campaign Finance, órgão independente, acaba de publicar seu relatório. Linha do botão, ou bottom line: passaram a perna em todo mundo. Os peixes graúdos habituais, os suspeitos habituais, diria eu se fosse jornalista, compareceram e compareceram alto: 80% da turma endinheirada deu um festivo alô com a gorda granolina. A mais de um mês da posse do bem falante e bem trajado havaio-quênio-americano, vai-se o segundo mito. Isto porque o primeiro já se fôra quando eu lera no jornal que a linha de frente de sua equipe econômica era toda composta de gente com antecedentes republicanos ou de fosse lá quem estivesse com a bola nos pés. Robert Rubin? Tsk, tsk, tsk, E vou de tsk porque li em jornais americanos. Só agora que a campanha acabou e a vitória deu seu beijo estalado na bem articulada boca obamal. Na verdade, passei um parágrafo mentindo. Não li nos jornais. Ninguém mais lê nos jornais. Só se lê nos blogs. E cada, ou todos, os jornais têm seus blogs, não satisfeitos estivessem de borrar nossas mãos com tinta de impressão. Lembro de um tempo em que jornais tinham colunistas e articulistas e até mesmo, os mais ousados, jornalistas. Passou. Acabou. Finito. Agora é só na base do blog. Nas eleições de 2004 (continuo nos Estados Unidos, pátria espiritual de todos nós) ninguém se queixava de que havia pouco o que ler na internet. Website na época era pastel de ar. Agora aí estão, e cito apenas os que consulto, o Politico, o Huffington Post, o Daily Beast e por aí afora. Muito afora mesmo. É blog que não acaba mais. E cada blog dá links, ou enlaces, com outros blogs. Nós olhando e eles se reproduzindo a bloguear qual besta de mil costados. Todo mundo tem opinião. E onde todo mundo tem opinião, ninguém tem opinião. Vaidade, tudo é vaidade. Aqueles tipos estranhos, infelizes e solitários, que escreviam para os jornais e revistas "parabenizando pela reportagem" ou "indignados com a permanência na equipe do colunista Fulano de Tal", todos têm seu blog. Alguns caprichadíssimos. Os professores de "blogueçaõ" proliferam e faturam alto. Maravilha. Nunca o mundo foi mais democrático. Se um dos critérios da democracia é todos terem opinião sobre tudo. Ler essa opinião é mais embaixo. Bem mais embaixo. Blogs e mais blogs. Sobre tudo. Quem é alguém, ou melhor dizendo, quem não é ninguém ou almeja ser alguém, tem seu blog. Acabou aquela história de escrever palavrão nas paredes dos mictórios públicos. Blogueia-se, ao invés. Tendo isso em mente, e não querendo ficar para trás, alardeio-me logo avisando que estou com um guru informático preparando-me para inaugurar meu blog. Justamente por volta de 20 de janeiro, quando da posse de Obama. Sou crente firme em sincronicidades. Já tem nome meu quinhão cibernético. Vai-se chamar "Meu Blog". Só que aí entra o pulo do gato: o O de blog é um coraçãozinho vermelho, feito o famoso logotipo I (coraçãozinho vermelho) NY, do genial Milton Glazer. Adianto algo de minha filosofia virtual só para aguçar o apetite dos eventuais leitores, que, espero, sejam milhares. Serei, para fugir aos ditames ora em moda, original. Não é fácil ser original. Uma ligeira repassada sobre os temas em que pretendo me fixar. Primeiro, nada de notícias tristes feito os recentes eventos na Índia, Nigéria ou Tailândia. Nada de enchentes ou Oriente Médio. Dobre a esquerda, marcha implacável da pedofilia. Sumam-se de minha presença crimes de colarinho branco ou outra tonalidade de crimes com arma branca ou de fogo. Todo e qualquer governo merecerá o desprezo a que fazem jus. Não, não, mil vezes não. Falarei de romances, direi do amor, espalharei os sonhos impossíveis de felicidade. Contarei casos tocantes de crianças. Conforme o dia, comporei hinos ao sol e à lua que velam amorosamente sobre nós. Recorrerei à memória e lembrarei tempos mais ingênuos e doces, gentes mais suaves e finas. Lembrarei as grandes paixões e os esplêndidos filmes em branco e preto. Ilustrarei com flores, muitas flores, mas nada à maneira crítica sarcástica de Geraldo Vandré, de preto, no Maracanãzinho. Estarei sempre de azul cerúleo. Citarei meus trechos prediletos de poesia (pode deixar que J.G. de Araujo Jorge estará presente) e não dedicarei palavra a roubo sistemático de óculos de estátua de vate à beiramar. Tentarei descrever o sentimento que me invade ao ver o cão coçando a orelha direita com a patinha esquerda. Gatos, gatos em profusão, que eles só vivem para enfeitar este mundo de catástrofes naturais e contribuições financeiras dúbias. Descreverei, como se lidando com fraudes políticas, o vôo de um pássaro rasgando a tarde azul de primaver. Creio haver, neste mundo de blogs, espaço para mais um. Criativo e construtivo. Mais detalhes quando a ocasião estiver mais próxima. BBC Brasil - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito da BBC.
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