Moradores de Piracicaba têm orgulho de pronúncia

Cidade ganhou até o 'Dicionário do Dialeto Caipiracicabano', que explica o linguajar peculiar da população

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Por Tatiana Favaro e CAMPINAS

Se você estiver perdido em Piracicaba e alguém te mandar "virá às dereita no faror, às esquerda na otra esquina e tocá adiante pá frente", não tire sarro. Respeite tanto o linguajar quanto a hospitalidade e a simpatia. Muitos deles têm orgulho da pronúncia tão peculiar, que grita aos ouvidos paulistanos que por lá passam não só nas portas, porteiras ou portões, mas também no meio de sílabas, em palavras como "novembro". Ou no próprio nome da cidade, torcendo a língua na hora de falar o "erre". "A gente fala igual americano", brinca o incentivador cultural Laudir Sartori, de 55 anos. Ele perdeu o sotaque quando foi morar na capital, ainda criança. Hoje, de volta à terra natal, brinca: "Aqui a gente desce pra baixo, sobe pra cima, mas não fala errado. Fala deferente", diz, em meio a pleonasmos, letras trocadas e o "erre" forçado. "Estou brincando, mas tem gente que fala assim aqui e sofre, porque as pessoas riem, tiram sarro", conta ele, "caipiracicabano" com orgulho. O termo é título do livro do jornalista Cecílio Elias Netto, autor do Dicionário do Dialeto Caipiracicabano - Arco, Tarco, Verva... A obra, de 1988, ajuda a entender que "lonjura" é distância, "morgar" é não fazer nada, "nus nervo" é algo que deixa furioso e que tudo isso, em volume alto, tem o "erre" de Pira. "Piracicaba foi muito rica no tempo do Império e um dos berços da República, então conseguiu se autossustentar. Por opção, ficou à margem das ferrovias, rodovias e não sofreu tantas influências", afirma o jornalista de 70 anos, nascido em Piracicaba. "Há forte influência indígena, mas também temos distritos como Santana em que existe uma mistura do caipiracicabano com o italiano de Trento e carroça vira "caroça", por exemplo. É uma linguagem própria."O sotaque de Netto é sutil. "Uma vez estava em Brasília e uma pessoa tinha se formado em Piracicaba e não vinha à cidade havia 40 anos. Quando abri a boca, os olhos dele ficaram marejados: "Piracicaba", ele disse. Fiquei todo orgulhoso."O pedreiro Edmilson Neves, de 42 anos, é difícil de compreender. Mas se alguém pergunta a ele se isso causa problemas, ele diz: "Ói, moça, faiz tempo que falo assim, num percebo, não.Vai vê é porque a cidade toda fala assim", afirma, com simpatia.

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