Maria dos Aflitos foi detida nesta sexta-feira, 31, suspeita de participar do envenenamento que causou a morte de oito pessoas da sua própria família, incluindo crianças, em Parnaíba, no Piauí. A informação da prisão foi confirmada ao Estadão pelo delegado Abimael Silva, responsável pela investigação do caso. Segundo ele, o caso é “um dos mais chocantes já registrados no Estado”.
Ela confessou o assassinato da vizinha, uma das vítimas de envenenamento. No depoimento, revelou que a envenenou acreditando que isso ajudaria a libertar seu marido, Francisco de Assis, de 53 anos, preso no início de janeiro, também suspeito de ter colocado o veneno, conhecido como chumbinho, na comida. Os outros envenenamentos teriam sido feitos por Assis, segundo a suspeita. O Estadão não conseguiu localizar as defesas dela e do marido.
Maria dos Aflitos é mãe de Manoel Leandro da Silva, de 18 anos, e Francisca Maria da Silva, de 32 anos. Ela é também avó dos cinco filhos de Francisca, que também morreram após ingerir comida envenenada - o que foi confirmado pela perícia.

Ao todo, foram três casos de envenenamento, com cinco meses de diferença, na mesma família. No primeiro caso, o alimento envenenado um foi suco em pó. Na segunda ocasião, foi envenenado um baião de dois; e na terceira, o café.
Segundo a Polícia Civil do Piauí, os alimentos foram contaminados com terbufós, um pesticida de uso agrícola altamente tóxico e com venda controlada no Brasil”.
“Percebe-se um meticuloso plano e espera inteligente para a prática dos dois primeiros crimes, sendo o intervalo entre os dois crimes mais de quatro meses. Isso revela preparação meticulosa e paciente na execução”, diz o delegado Abimael.

Livro nazista
Durante buscas, a policiais encontraram, na casa de Francisco, documentos que “reforçam sua obsessão por ideais nazistas”, segundo documento da Polícia Civil. Em um dos livros, havia trechos grifados sobre o uso de venenos para matar pessoas com descrições semelhantes à da substância usada nos alimentos ingeridos pelas vítimas
“A dimensão da crueldade de Francisco se aprofundou com a análise de livros encontrados no baú e em uma segunda casa que somente ele tinha acesso. Entre as obras, uma chamou a atenção dos investigadores: Médicos Malditos, que detalha práticas da SS nazista. Trechos estavam grifados, incluindo uma anotação sobre o uso de substâncias para matar pessoas”, afirma um documento policial ao qual o Estadão teve acesso.
As investigações afirmam ainda que “Francisco de Assis tinha profundo desprezo pelos filhos e netos de Maria”, controlando os alimentos da casa, armazenando-os em um baú trancado, cuja chave ele carregava pendurada no pescoço, levando a episódios de fome na residência.
Primeiras mortes
O primeiro caso foi registrado em 22 de agosto de 2024, quando João Miguel Silva, de 7 anos, e Ulisses Gabriel Silva, de 8, passaram mal após ingerirem alimentos contaminados. Os meninos eram filhos de Francisca e netos de Maria dos Aflitos. Eles foram internados em Teresina e morreram semanas depois.
A princípio, Francisco afirmou às assistentes sociais do Hospital Estadual Dirceu Arcoverde e à polícia que os meninos haviam consumido cajus supostamente doados por Lucélia Maria da Conceição, vizinha dos fundos da residência. No dia seguinte, Maria chegou a registrar boletim de ocorrência contra a vizinha. Enquanto isso, Francisco entregou à polícia uma sacola contendo cajus que supostamente seriam aqueles doados por Lucélia, relata o documento.
Diante da situação, Lucélia foi presa preventivamente.
Almoço de ano novo
Uma nova sequência de fatos, porém, mudou o rumo das investigações: em 1º de janeiro de 2025, nove membros da família passaram mal após almoçar baião de dois. Foi neste episódio que morreram os filhos de Maria dos Aflitos Manoel e Francisca, e outros três netos: Igno Davi, 1 ano e 8 meses, Maria Lauane, 3 anos e Maria Gabriela, 4 anos.
“Neste caso, tanto Maria dos Aflitos quanto Francisco de Assis apontaram que o alimento envenenado seriam manjubas (peixes) doadas por terceiros, na tentativa de fazer com que a suspeita de uma possível intoxicação alimentar recaísse sobre outra pessoa. No entanto, exames toxicológicos comprovaram que o alimento envenenado foi, na verdade, um baião de dois preparado no dia 31 de dezembro de 2024″, relata a Polícia Civil do Piauí.
As investigações mostraram que o alimento foi contaminado na madrugada do primeiro dia do ano de 2025, após a festa de réveillon, ocasião em que apenas Maria dos Aflitos e Francisco de Assis estavam acordados. O alimento foi requentado no dia seguinte, por ordem de Francisco, e servido à família.
A perícia demonstrou que o veneno foi introduzido na panela onde o arroz foi originalmente preparado e armazenado, reforçando a hipótese de crime premeditado.
“Maria dos Aflitos foi a única que declarou que não comeu nenhum alimento no horário da refeição. Francisco de Assis mudou de versão sobre o consumo do alimento todas as vezes em que foi questionado pelos investigadores, vindo a apresentar sintomas apenas quase quatro horas após o ocorrido, o que, segundo a perícia, pode caracterizar uma contaminação dérmica, pelo manuseio da substância, e não por ingestão”, relata a polícia.
Esse episódio criou uma reviravolta judicial em relação ao primeiro caso. No último dia 13, a Justiça do Piauí autorizou a soltura de Lucélia Maria, a vizinha, presa desde agosto do ano passado acusada de envenenar duas crianças dessa família.
Depois de cinco meses, o laudo pericial descartou a presença de veneno nos cajus dados às crianças e suspeita recaiu sobre o marido da avó dos meninos.
A última vítima
Em 22 de janeiro, mais uma morte chamou a atenção dos investigadores. Maria Jocilene da Silva, de 41 anos, vizinha de Maria dos Aflitos, morreu após ingerir café na casa da suspeita. Segundo as investigações, as duas mulheres possuíam um envolvimento amoroso de longa data, antes mesmo da chegada de Francisco à família.
Jocilene havia sido hospitalizada após o réveillon e recebeu alta. Ela foi a única que permaneceu cuidando de João Miguel e Ulisses Gabriel no hospital e chegou a perder o emprego por isso, relata o documento da Polícia Civil. Ela também havia denunciado a falta de assistência de Maria dos Aflitos às crianças.
“Para tentar despistar a polícia, Maria dos Aflitos afirmou, no momento da chegada dos agentes, que Jocilene teria sofrido um infarto, justificando que a vítima já teria tido um episódio similar anos atrás, em Brasília. O depoimento, registrado em áudio, reforça a linha investigativa de que a idosa tentou confundir as autoridades e encobrir mais um envenenamento dentro da própria casa”, diz a polícia.
Confissão e motivação do crime
Após sua prisão em 31 de janeiro, Maria dos Aflitos confessou o assassinato de Jocilene. No depoimento, revelou que a envenenou acreditando que isso ajudaria a libertar Francisco, assim como aconteceu com Lucélia.
Ela disse, porém, que os primeiros envenenamentos foram cometidos por Francisco, “que desprezava seus filhos e netos”. Ainda segundo Maria dos Aflitos, seu companheiro premeditou a história dos cajus para envenenar as crianças e acusar Lucélia.
“Maria confirmou que as duas primeiras crianças mortas teriam sido envenenadas através de um suco, do tipo refresco, e que Francisco adicionou veneno ao arroz durante a madrugada, enquanto ela dormia. Sobre a morte de Jocilene, Maria contou que encontrou o veneno atrás do fogão e colocou todo o conteúdo no café que ela mesma serviu à vítima, pois havia pouca quantidade. Cerca de 30 minutos após ingerir o veneno, a vítima começou a passar mal, ainda na residência”, descreve a investigação policial.
Maria dos Aflitos e Francisco de Assis responderão pelas mortes de oito pessoas.