A expansão dos interesses comerciais brasileiros na América do Sul e o ressurgimento de movimentos com tons nacionalistas na região têm intensificado conflitos entre o Brasil e alguns de sues vizinhos. O caso mais evidente é o boliviano, mas não o único. Equador e Paraguai, mais recentemente, também são países em que há tensões. Com a nacionalização dos hidrocarbonetos de 2006 na Bolívia, a Petrobras, a maior empresa externa no país (com investimentos acumulados da ordem de US$ 1,5 bilhão), teve que vender suas refinarias por US$ 112 milhões e aceitar perdas nas receitas para poder continuar operando no país. Evo Morales venceu a corrida pela Presidência boliviana com a plataforma da nacionalização e pouco antes de fazê-la estava sob intensas críticas internas por não ter cumprido uma das sua principais promessas de campanha - a nacionalização foi anunciada cerca de três meses após a posse. Na opinião de analistas, é possível ver paralelos não apenas entre a Bolívia de Morales a o Equador do presidente Rafael Correa, mas também, em algum grau, com a corrida eleitoral no Paraguai. O ponto em comum é que alguns políticos desses países estão ganhando - ou mantendo - sua popularidade com um discurso nacionalista ligado ao uso e à propriedade dos recursos naturais. Em um estudo recente sobre o mercado de energia na região, o analista do banco Deutshche Bank Georg Caspary afirma que "o alto grau de desigualdade (em comparação a outras regiões em desenvolvimento) combinada com a riqueza dos recursos naturais" são os combustíveis do que ele chama de "nacionalismo de recursos" ou "nacionalismo energético". Parado No caso do Equador, os interesses da Petrobras foram atingidos no ano passado, quando foram feitas mudanças nas regras que determinam a participação estatal no lucro que excede o preço médio do barril de petróleo acordado entre as empresas instaladas e o governo. A medida derrubou a receita da empresa no país, que atua lá desde 1996 em dois blocos de exploração e produção de petróleo. Os investimentos acumulados no país são da ordem de US$ 430 milhões. Além disso, em meio ao trabalho para escrever uma nova Constituição, a discussão sobre novos projetos da empresa estão parados. A grande questão é saber se será liberada a exploração de petróleo no campo ITT, no Parque Nacional Yasuní, uma área de proteção ambiental. Em abril de 2007, um memorando de entendimento entre a Petrobras e sua equivalente Petroecuador menciona o interesse da brasileira no negócio. Mas na prática os investimentos estão suspensos até a aprovação da nova Constituição. No caso do Paraguai, alguns candidatos às eleições presidenciais do país, que será disputada em 20 de abril, colocaram o Brasil e o preço pago pela energia gerada em Itaipu no centro da campanha. Fernado Lugo, o ex-bispo católico que lidera a maioria das pesquisas de opinião, usa o exemplo da Bolívia para dizer que os brasileiros pagam menos do que deveriam pela energia. "O Paraguai não pode ser o único país que dá a sua energia a preço de custo", diz ele. O direção de Itaipu afirma que esse risco de um impasse real é mínimo, porque a situação de Itaipu está definida e o tema apenas ganhou relevo no calor da campanha eleitoral. Retórica As tensões elevam a retórica contra o Brasil. No Equador, um dos políticos em maior evidência no país hoje, o presidente da Assembléia Constituinte do Equador, Alberto Acosta, não se abstém de criticar o que considera uma forma agressiva de o país se expandir economicamente na região. "Não quero usar um termo duro, mas poderia estar se constituindo na região uma espécie de subimperialismo, e isso não é bom. Se há um país grande, que tem empresas transnacionais com práticas próprias e similares às dos países ricos, esse país não estaria dentro da lógica da integração (regional)", disse ele à BBC Brasil. A diplomacia e o governo brasileiros têm evitado o confronto. No início deste ano o governo anunciou que vai voltar a investir na Bolívia. A intenção de permanecer investindo no Equador também foi confirmada no final do ano passado, pelo Itamaraty e pela Petrobras. Para o diretor da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso) no Equador, Adrián Bonilla, o Brasil tem adotado "cautela" para tentar evitar uma identificação com os Estados Unidos. "A política externa brasileira tem sido muito cautelosa nesse sentido. A projeção global do Brasil e a projeção regional do Brasil não é uma projeção em substituição à dos Estados Unidos." Já Ricardo Carrillo, porta-voz do principal partido indígena do Equador, Pachakutik, diz que o Brasil do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ainda é um "aliado de esquerda". "O fato de o governo Lula ter priorizado algumas políticas no modelo de desenvolvimento (extracionista) não significa que ele não seja mais de esquerda. A nova lógica, que também é o que se busca aqui no Equador, não é de se afastar do mercado, mas conviver com o mercado", diz ele. Com a perspectiva de grande crescimento no consumo energético no Brasil, o governo brasileiro luta para que a retórica agressiva não dê mais espaço a perdas concretas e problemas na colaboração regional no setor. * Colaborou Alessandra Correa (Bolívia e Paraguai) BBC Brasil - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito da BBC.
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