Nascidos para o brilho: o mundo é dos esnobes

Ex-cronista da revista Vogue francesa, Francis Dorléans disseca em livro o reinado da elegância

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Por Eva Joory
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Com suas quase 500 páginas, Snob Society, da editora Flammarion, foi leitura obrigatória do escaldante verão europeu, citado nas conversas à beira-mar, nos desfiles de moda, ou nas boates lotadas, pelo chamado beautiful people. Uma bela recompensa para o francês Francis Dorléans, ex-cronista da Vogue francesa e autor deste livro que retrata um seleto grupo de "esnobes" que já não existe mais, num projeto que consumiu 10 anos até ser concluído.Por esnobes, entenda-se ricos e bem-nascidos nos anos dourados do século 20. Artistas, nobres, playboys, dândis ou simplesmente herdeiros, com sobrenomes poderosos, os esnobes marcaram uma época pela maneira com que viveram suas vidas. É o que Dorléans pretende mostrar quando disseca, com bom humor e estilo elegante, as histórias e as desventuras de uma turma que inclui Cary Grant, Onassis, Rita Hayworth, Chanel, Porfirio Rubirosa e Grace Kelly, entre muitos outros. O garimpo do autor rendeu algumas pepitas biográficas. Um capítulo dedicado a Rita Hayworth, cujo verdadeiro nome era Margarita Cansino, a descreve como uma criança de mãe alcoólatra, abusada pelo pai que a transformou em garota de programa. Quando finalmente conseguiu fugir da família casando-se, Rita foi tentar a sorte no cinema, passando por muita dificuldade até se tornar a estrela que arrebatou corações. Dorléans abala o mito: "O conjunto deixava a desejar. Arrancaram-lhe os molares para que o rosto ganhasse profundidade. Consertaram-lhe os dentes. Um regime draconiano acabou com os quilos a mais. Vestiram-na de outra maneira, corrigiram sua dicção, seu andar. Em vão."Snob Society mostra que não se nasce esnobe. Torna-se esnobe. Por inúmeros motivos: escândalos, dinheiro, títulos e uma vida nem sempre glamourosa. E mesmo que não termine de forma feliz, a vida do esnobe é com certeza invejada por muitos. Essas e outras teses aparecem nesta entrevista exclusiva ao Estado, em que Dorléans comprova que a realidade ultrapassa a ficção com muito mais frequência do que se imagina. "A vida das celebridades tornou-se a nossa mitologia de hoje. É o nosso contos de fadas. Só que, no meu livro, as histórias acabam mal."Como nasceu a ideia do livro?Preciso confessar que sempre fui uma pessoa que leu muito durante a vida inteira. Literatura principalmente e os grandes autores, Proust, Chateaubriand, Giono, Aragon, Colette, e também Scott Fitzgerald, Virginia Woolf, Faulkner, Dos Passos... Um dia, por acaso, esperando meu trem, comprei a biografia do Cary Grant. E achei aquilo incrível, algo totalmente fora do contexto, sobretudo para mim, que era contra esse tipo de literatura. Passei a comprar todas as biografias que encontrava pela frente. Curiosamente, vi que havia nesse tipo de literatura um potencial romanesco incrível, porque a realidade ultrapassa a ficção. Nada me divertia mais do que descobrir ligações secretas, as coincidências e conexões entre todos os personagens. Pensei no filme A Ronda, de Max Ophüls (filme baseado na obra de Arthur Schnitzler, gira em torno de uma sofisticada ronda de amores e traições). Pois essa ronda teria acontecido ao longo do século 20.Como o sr. escolheu os personagens que fazem o elenco de Snob Society?A maioria se impôs sem que eu pudesse fazer nada. Foram eles que me escolheram, se jogaram em mim, percebendo que eu seria tolo o suficiente para glorificá-los, escrevendo suas histórias. Acho que eles estavam certos. Na verdade, guardei na minha cabeça um grande número de mulheres excêntricas e de homens sedutores, o que me dava a certeza de que eu teria uma boa história. Temos a duquesa de Windsor, Barbara Hutton, Louise de Vilmorin e a princesa Nathalie Paley. Entre os homens, Cary Grant, Cecil Beaton, Truman Capote. Há também os que entraram na última hora, como Gloria Vanderbilt, Zsa Zsa Gabor e Peter Lawford, crescendo aos poucos na história. Outro exemplo foi o costureiro Jacques Fath. No começo, a importância era dada a Christian Dior, mas Fath se impôs. Exemplos como esses se multiplicavam.O que eles têm em comum?A vitalidade, uma incrível e prodigiosa vitalidade. Uma necessidade de estar em todos os lugares, de aparecer, de fazer com que falem deles. Uma vitalidade que eu invejo, já que ela me faz falta, e por ser uma das qualidade fundamentais para se fazer sucesso na vida. Isso vale para todo mundo e não somente para o esnobes. Para os políticos, os militares, os empresários, os artistas. E também para os jornalistas.Como foi feita a sua pesquisa e quanto tempo levou para escrever o livro? Levei mais de dez anos para concluir minhas investigações e consultar centenas de biografias. Esse foi meu método para entrar na pele dos personagens. Lia ao mesmo tempo 4 ou 5 biografias do mesmo personagem, até acontecer aquele estalo para que eu pudesse escrever de uma levada, sem me preocupar se estaria ou não "reinventando" esses tipos. O sr. foi colunista da Vogue e conviveu com esse universo. Foi uma influência decisiva?Claro, não poderia ter sido de outra forma. No começo, eu quis incluir tudo o que eu havia acumulado nos 15 anos de colaboração com a Vogue: o ambiente das maisons de costura, das joalherias, dos grandes hotéis, a efervescência das coleções, as sessões de fotos. Mas eu percebi que toda essa subcultura não tinha fôlego e que eu precisava me concentrar nos personagens e em um jeito de contar essas histórias. Quando escrevemos, tudo nos é útil. Se eu não tivesse sido um notívago na minha juventude, não teria compreendido Porfirio Rubirosa, Oleg Cassini e outros. Se eu não tivesse tido a gana, também na juventude, de estar sempre bem-vestido, teria ignorado Cecil Beaton. E, se eu não tivesse fome de escrever, teria dificuldade de me colocar na pele de Truman Capote.Por que o sr. acredita que esse universo de celebridades atrai tanta curiosidade?Porque essa é a nossa mitologia. Uma mitologia que já está desaparecendo, que está mais próxima do conto de fadas. As pessoas adoram os contos de fada, eu inclusive. Mesmo sem querer, castelos, reis e rainhas fazem parte do nosso inconsciente, da memória coletiva. No século 20, palavras como Rolls Royce, Cartier, Ritz, Vogue e miliardário tiveram o mesmo impacto. Esse livro toma emprestado algumas ideias dos contos de fadas, a diferença é que a maior parte das histórias que eu conto acabam mal.Algum fato chocou o sr. ao escrever o livro?Não diria que chocou, mas me estimulou. Quanto mais chocantes eram as histórias, quanto mais perversas, mais fora do normal, mais eu me estimulava. Dizer o contrário seria hipócrita.Os personagens reais são, de uma certa maneira, desconectados da vida por causa do álcool, das drogas, do sexo e do dinheiro. Isso vale para os esnobes atuais?Não, tudo é muito diferente. Hoje drogas, sexo e álcool fazem parte do cotidiano, não são mais assuntos tabus. Ao contrário, só se fala disso. O porno-chic reina nas revistas de moda e, se acreditarmos nas estatísticas, todo mundo já experimentou drogas algum dia. Hoje, o dinheiro tão mal dividido, não funciona mais como um abre-te Sésamo que abria todas as portas do paraíso para os ricos. Não existem mais barreiras intransponíveis, não existem mais rompantes. As fortalezas se desintegraram, nada mais é privado. Todo mundo hoje tem um pouco de estilo, todo mundo pode comprar um par de óculos Dolce & Gabbana, ou Chanel, mesmo que falsos. O estilo se diluiu na massa. Não se pode pedir que uma moda que atinge milhões de pessoas, seja exclusiva. Não se pode pedir a uma sociedade que se vê todos os dia refletida em programas de televisão e revistas de fofocas que seja elegante. Não é um julgamento, é apenas uma constatação.No livro, alguns personagens beiram o patético e me parece que o sr. sente pena deles. Foi uma maneira de torná-los reais?Não chamaria esse sentimento de pena, mas de comiseração. Como não se emocionar até as lágrimas pelo destino funesto de Rita Hayworth? Ou pela triste e pesada fatalidade que marca os últimos dias de Maria Callas e Onassis? Depois da morte de seu filho Alexandre, Onassis se voltou naturalmente para Maria. Quem mais poderia consolá-lo? Era com ela que ele encontrava o conforto negado por Jackie (Kennedy). Maria o aceitava como era, com todos os seus defeitos. Durante horas o escutava falar de Alexandre e reclamar de Jackie. Para Maria, era muito tarde.(...) Ambos não aceitavam conversar só para falar de suas doenças. Dois velhinhos, dois amantes velhos. Suas últimas palavras no hospital foram: "Eu tentei Maria, eu tentei." Por mais ricos e poderosos que esse personagens possam ter sido, eles não escaparam à condição humana. É triste o último capítulo onde vemos uma duquesa de Windsor fraca e senil. Independentemente do que possamos pensar sobre ela e de sua vida escandalosa, como não se sensibilizar pela fatalidade que é o Alzheimer?Qual o segredo para escrever um livro de forma tão sedutora sem cair na vulgaridade ou sem que ele seja classificado como mais um livro de fofocas?Se há um segredo, ele está no estilo. É um segredo de polichinelo: basta se esforçar e trabalhar. Sem querer criticar ninguém, a maioria das biografias não é tão cuidadosa, são obras comandadas. Eu me dei por inteiro nesse livro. Não trato a maioria dos personagens apenas como seres humanos, mas frequentemente como amigos, me esforçando sempre para não cair na devoção nem ser condescendente. Minha pesquisa não exigiu muito de mim, além de horas de leitura. Ler é uma distração para mim. Mas por outro lado, encontrar um estilo, o tom adequado, a coragem para cortar os excessos para que o livro seja lido sem esforços, me deu muito trabalho.Recriar a atmosfera de uma época, com tantos pequenos detalhes, pode tornar-se uma leitura cansativa, o que não é o caso do seu livro.Perdi muito tempo tentando encontrar a solução para não cair no tédio. Eu não tenho um método e é por isso que o livro tem charme. É a sua ingenuidade que faz o seu charme. Durante a pesquisa, algum personagem o encantou, o seduziu ou mesmo o decepcionou?Talvez Onassis. Não esperava me encantar com seu charme. Não me entenda mal, não temos nada em comum, o que lamento, porque adoraria ser miliardário só para ver como é.O sr. enfrentou algum tipo de problema por estar revelando segredos e intimidades que muita gente desconhecia.?Devo bater na madeira porque não houve nenhum problema até agora, somente um pequeno mal-estar com o principado de Mônaco por conta do que falo do passado de Grace Kelly, mas nada sério. Para o público, Grace Kelly não poderia ser nada além de pura e casta. Hollywood não a vendia como um sex symbol, mas como uma menina de boa família, nunca despenteada, nunca amassada, sempre perfeita. Sabia-se, nos meios autorizados, que ela se apaixonava com frequência por seus parceiros, Clark Gable, Gary Cooper, Willian Holden, Ray Milland. Como ela fazia para guardar sua virtude se deixando seduzir por homens mais velhos? Homens casados. Se contentavam em acompanhá-la até sua porta? De um beijo no carro? De um pouco mais? Transformaram-na em santa e em mártir depois do acidente que a matou. Ergueram uma estátua em bronze em sua homenagem, um horror. Se quisermos nos emocionar com ela, melhor assistir aos filmes nos quais está sublime.Se fôssemos escrever um livro sobre a Snob Society de hoje, quais seriam os personagens?Com certeza não haveria dificuldade de escolha. Basta abrir as revistas "people" da vida, que a cada dia são mais numerosas, para acreditar. De Paris Hilton a Karl Lagerfeld, o leque é vasto. Todas as estrelas do rock, todos os estilistas, todos o miliardários russos (ou não) e todas as top models que se casam com os filhos desses. Os filhos de Caroline de Mônaco, os pequenos Niarchos, Athina Onassis, os pequenos Agnelli e os pequenos Brandolini. Existem hoje centenas de celebridades que fazem questão de se manter no topo desse universo. Claro que o resultado não seria igual, porque eu teria que abordar um tema, fatalmente, que é o da vulgaridade. Ela ganhou espaço no mundo, especialmente depois da televisão. A ação desse livro só poderia acontecer na tela da TV, para ir morrendo no decorrer da história. Mas eu não quero ser o contador dessa história. Já fiz a minha parte. Apesar de que essa vulgaridade me estimula horrores.

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