O dia em que Lampião se apoderou de Rita Lee

Veje homi seu menino Sente que vou lhe contar Do dia que baixou Virgulino Em um palco feito altar Na Rita que não é a santa Mas moça boa no falar

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Por Christian Carvalho da Cruz
3 min de leitura

Antes contudo todavia Um bocado acabrunhado Peço a bença dos poetas Que nessa arte têm mestrado Não riam aqui deste mané Um patavina do Assaré

Pois aquele um, o Virgulino É o próprio Lampião Falecido no Sergipe Sítio deste dramalhão E Rita é a Lee a negra ovelha Nossa mais digna pentelha

Foi na Barra dos Coqueiros Sua cantoria derradeira Armou-se grande festa Pro adeus de uma roqueira Agora não venham os dotô Com essa chata choradeira

Vocês conhecem essa cara Essa fala, esse cheiro Portanto se desespantem Com os modos de carroceiro Ela ficou só pouco mais fula Com o espírito do cangaceiro

Quando a dita assombração Empreendeu sua manobra Ocupando aquele corpo De cabelo cor de abobra Ela sentindo a ditadura De cabrita virou cobra

Era noite alta e fresca Quando surgiu a soldadesca Bulindo o povo, acintosa Atrás da tal erva venenosa Lá de cima Rita viu Parou o show, o céu caiu

E quando súbito se viu A lua desaparecer Na praça antes pacata Foi um tal de se benzer “Vixe cr’em Deus pai O regabofe vai feder”

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Possuída pelo fantasma Do bandoleiro nordestino Rita fez da voz o bacamarte E da bala o seu hino Chamou major de cachorro O tenente de equino

A roqueira do cangaço Disse tudo sem volteio Oiô de frente a guarda Exibiu dedo do meio C’atitude obscena Só cresceu o rebosteio

Nem o beiço quis molhar Com água, suco ou fruta Se dirigiu aos capacetes “Seus filhos duma puta Venham me pegar Sou avó mas tô enxuta”

A razão e o motivo De tamanho aporrinho A Lampiona deixou claro: A força bruta, o desalinho No lombo da meninada Causa dum baseadinho

Indo pra lá mais adiante Não precisa de adivinho Pra notar naquele grito Também disparo de espinho Contra os cabra que arrocha Aluno, nóia e Pinheirinho

Por isso e mais um tanto Que a mutante encrenqueira Em seu verbo assoberbado Pôs nos dente a peixeira Dando devido sacolejo Na triste vida brasileira

Quem ficou aperreado Foi Déda governador Disse e não é chiste Que Rita está em seu playlist Mas xingar homem da lei É demais pra quem assiste

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Não por outra o mandatário Pensou ir ao tribunal Cortar a paga do cachê Mas evitou posar de mau Se Rita lamentasse o auê “Causdequê?! Do fumacê?!”

Entremente o rebuliço Muito apoio lhe foi dito O filho Beto veio aqui E confessou estar aflito O titã Sérgio Britto: “Fuck the police, viva Rita Lee!”

Ainda chefe de Corisco 64 anos e avó Gulosa, escandalosa Foi levada ao xilindró E nas venta do delegado Passou novo forrobodó

Causo tão misterioso Os pelo sobe de alembrar Mas juro ao senhor Pela emoção não me guiar Tava assim de cabra da peste Que pode tudo confirmar

Do seio da luz brilhante Veio o divino chanceler Em pessoa o Padim Ciço Com sua mágica colher Futucou-lhe as entranhas Rancou o capeta da mulher

A cantante estrebuchava Se arrastando pelo chão Pro marido ela explicava: “Foi o calor da emoção” E Roberto amparava: “Cospe, Rita, cospe fora o dragão”

Exorcizado o coisa ruim Ordenou o padroeiro “Rita, mia fia Não atuo de bombeiro Pois volte já pra rede Escandalize os tuiteiro”

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Ela beijou a mão do santo Agradecida e juvenil Pensou que bem podia Ser presidenta do Brasil Pra dar Panis Et Circenses A essa gente tão gentil

Má ideia não seria Pois artista não sobrou Chico só quer bola E Caetano caducou Então vote em Rita Lee Prum país mais rock and roll!

Vou parando por aqui De sua paciência abusei Minha lira se gastou Das fantasias que cantei Mas garanto meu amigo Se aumentei não inventei.

O artista e cordelista J. Borges, premiado pela Unesco, fez esta xilogravura especialmente para ilustrar os versos acima. Ele tem 76 anos e vive em Bezerros (PE)