Há umas semanas, escrevi, neste campo onde me concentro, sobre a questão do fluxo imigratório nestas terras anglo-saxônicas. Expus meus temores diante dessa nova - talvez a primeira - invasão levemente pacífica, com a pouca vergonha e a confusão mental que me são peculiares, juntamente com uma dose de hipocrisia de fazer inveja ao pequenino e cabeçudo beletrista Martin Amis. Na ocasião, afirmei, com os números que consegui pescar na net, que a maioria dos mais de 500 mil imigrantes que chegaram ao Reino Unido, eram provenientes da Índia, do Paquistão e de Bangladesh. Não contava em provocar tamanha celeuma. Foi assolado por entre 2 a 4 emails protestando contra minha descarada xenofobia. Além do mais, indevidamente aplicada. Não bastasse a canalhice de meu caráter, eu seria ainda péssimo de pontaria. Apontavam-me então os missivistas informatizados que o verdadeiro alvo do preconceito dos britânicos dirigia-se ao fluxo migratório proveniente do Leste Europeu, notadamente dos novos países da Comunidade Européia. Ou seja, desde o ano 2000, quando naturais do antigo bloco do leste europeu - poloneses, lituanos, letões, eslovacos e por aí afora - começaram a surgir pelos cantos destas ilhas, nelas se instalando e, tudo indica, a todos incomodando. Além da vontade de vencer, ou ao menos sobreviver, trouxeram crises e provocaram cenas de pugilato nos pubs com seus supostos modos e sua quase metódica violação dos modos tradicionais de burlar a lei ou encher o saco dos outros aqui nestas ilhas. É difícil separar o mito e a boataria da realidade. Os cidadãos das nacionalidades mencionadas acima são vítimas, segundo alguns, de uma série de lendas urbanas. De quem é a culpa? A grande imprensa gosta de empurrar a coisa para cima dos tablóides sensacionalistas populares, esquecendo-se de que a espetacular venda desses últimos (alguns vendem fácil entre dois a três milhões de exemplares) deve-se principalmente ao fato de refletirem, ou tentarem refletir, o panorama intelectual, a paisagem interior, de seus leitores. Daí que os tablóides evitam palavras com mais de duas sílabas. Que mitos então estariam espalhando os tablóides entre seus pobres inocentes e tão crentes leitores? O de que os europeus do leste estão acabando com as carpas locais, uma vez que estas são por eles pescadas e comidas, sendo que os poloneses têm, ou teriam, a carpa como prato tradicional de Natal. A carpa é o peru polonês. Anzol nelas, portanto! Os britânicos gostam de se gabar que para eles a pesca da carpa é mero esporte. Feito o futebol, confere? Nem todos sabem, mas os cisnes britânicos são protegidos por antigo decreto real. Praticamente pertencem à Rainha. Avançar contra um cisne ou matá-lo a pontapés ou pedradas beira a lesa-majestade. Dona Rainha Elizabeth II não quer que aconteça nada de ruim com as aves por ela endossadas em constituição não-escrita. Agora mesmo, em agosto, o Daily Mail (tiragem: mais de 2 milhões e 300 mil exemplares diários) noticiou que o clube de pesca da localidade de Luton viu-se obrigado a pregar diversos avisos com os seguintes dizeres: "Cisne não se come". Em forma pictográfica, uma vez que o pessoal lá não é bobo (ou europeu do leste, feito diriam eles) e bolou que talvez letões e lituanos não tenham muita intimidade com o idioma inglês. O The Sun (tiragem: mais de 3 milhões de exemplares diários), em 2003, foi bastante criticado por espalhar que os novos imigrantes do leste europeu em busca de asilo estariam comendo cisne todo dia. Ainda por cima, lambendo os beiços depois. Ficou constado tratar-se de lenda urbana. As receitas adiantadas pelo popular tablóide também eram fajutas. Dos mitos, se mitos são (a xenofobia tem recaídas), citei até agora apenas os dois acima. Isso por que sou admirador tanto das carpas quanto dos cisnes. Nadou ou boiou, estou lá. As acusações, procedam ou não, jorram em profusão. Coloco-as todas em fila indiana (não confundir com filas paquistanesa ou bengladesh) e deixo com aqueles que aos borbotões me "emailaram" a tarefa de separar lenda de realidade. Às vezes, a distância e a ignorância ajudam a melhor ver e entender as coisas. Segurem aí: Os "eastern Europeans", como são chamados, estariam tirando todas as vantagens possíveis dos benefícios sociais britânicos, por sinal bastante generosos, roubando assim a carteira dos cidadãos aqui nascidos. Há gangues de letões especializadas em roubar roupas usadas, alegando que são para diversas caridades. Difícil esbarrar numa nota de 50 libras (uns 100 dólares). Elas tornam mais fácil para os poloneses, lituanos, et cetera e tal, a remessa de dinheiro para casa e o resto da família, que, segundo consta, mais dia, menos dia, estará firme, ou tropegando, por aqui. Na Escócia, culpam os poloneses pelo aumento das pancadarias em bares. Isso pelo fato de trabalharem servindo as mesas ou como porteiros, o que irrita os tradicionalmente belicosos escoceses. O desemprego aumentou no país devido a "eles", os "eastern Europeans", que, por falar nisso, são péssimos garçons e um fracasso no limpar de mesas. As igrejas católicas britânicas, que andavam quase que às moscas (católicas, mas moscas), estão agora repletas de poloneses, lituanos, letões etc. Deve-se a eles também o aumento da extrema direita, o tráfico de armas baratas, a heroína barata, a proliferação de moedas falsas e, para encerrar com fecho de ouro, a paquera grossa, ou seja, eles passam a mão nas senhoras e senhoritas locais alegando, quando presos, que isso é um costume comum na terra deles. Espero ter, se não esclarecido tudo, ao menos semeado mais confusão. Assim emigra a Humanidade. BBC Brasil - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito da BBC.
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