Com a revelação na sexta-feira de que o Irã está construindo uma usina nuclear clandestina na cidade de Qom, o presidente Barack Obama pode ter consolidado sua maior jogada no tabuleiro da política internacional desde que assumiu o governo. Washington, em um só movimento, cercou a peça-chave da oposição no Conselho de Segurança (CS) da ONU: a Rússia. Isolado, o peão chinês não deverá resistir à pressão por novas sanções contra Teerã. A negociação segue em Genebra na quinta-feira, quando os cinco membros do CS e a Alemanha se reúnem com o Irã."Se os russos apoiarem as medidas, será, sem dúvida, a mais dramática realização da política externa de Obama", disse ao Estado Robert Jervis, professor de relações internacionais da Universidade Columbia. Ao trazer à tona neste momento a nova instalação nuclear secreta, a Casa Branca tornou o Irã o "desafio mais urgente", defende Jervis. "Mais do que Afeganistão e o Iraque", completa.O esforço diplomático que culminou na revelação de sexta, porém, teve início pouco após Obama assumir. Cumprindo sua promessa de campanha de "diálogo direto", o presidente discursou a redes de TV iranianas em março, na ocasião do ano-novo persa, o Norwuz, prometendo "estender a mão".Ao mesmo tempo que livrou o caminho para o diálogo, Obama estabeleceu setembro como data-limite para que o regime dos aiatolás abrisse suas instalações à Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA). Em junho, o presidente manteve-se praticamente calado - a despeito da ira de republicanos -, enquanto milhões de iranianos saíam às ruas contra a suposta fraude eleitoral que reelegeu Mahmoud Ahmadinejad.A vitória de Ahmadinejad e a intransigência de Teerã teriam levado os EUA a adotar medidas adicionais. A principal delas veio no último dia 18, quando Obama engavetou o projeto de escudo antimíssil do governo George W. Bush. O plano era considerado por Moscou uma ameaça direta à sua segurança."Certamente o fim do escudo antimíssil de Bush - um movimento absolutamente correto do ponto de vista militar - fez a Rússia se inclinar ao diálogo", disse Jervis. Antes disso, Obama havia anunciado que insistiria no tema da proliferação nuclear nas reuniões da Assembleia-Geral da ONU e do G-20, realizadas na semana passada.Armado o palco, faltava aos EUA cortejar Rússia e China. Para Ali Pedram, da Universidade Durham, o vínculo entre Rússia e Irã tem forte dimensão política. A relação Pequim-Teerã, por sua vez, seria quase restrita ao comércio. PARCERIARussos e iranianos são "aliados naturais", diz o pesquisador, sobretudo pelos interesses comuns na Ásia Central, e parceiros em projetos estratégicos. Moscou forneceu tecnologia para o primeiro reator nuclear civil iraniano, em Bushehr, e agora quer ajudar Teerã - segunda maior reserva de gás do mundo - a construir um ambicioso gasoduto pelo Paquistão até a China.Do lado chinês, os interesses no Irã são "mais econômicos do que políticos", diz Pedram. Assim, o apoio russo às ambições de Obama é tido como o verdadeiro fiel da balança. Reunido a portas fechadas na quarta-feira com o presidente russo, Dmitri Medvedev, Obama revelou informações de inteligência dos EUA, Grã-Bretanha e França sobre a usina clandestina do Irã, afirmou à Reuters uma fonte que pediu anonimato. Os três países já sabiam "há anos" da instalação, disse a fonte. No fim do encontro, Medvedev mudou o tom: "Às vezes, sanções são inevitáveis."A ação dos chefes de Estado na abertura da cúpula do G-20, em Pittsburgh, na sexta-feira, fez ceder ainda mais a oposição russa. Se o Irã não cooperar na reunião marcada para esta quinta-feira, potências mundiais deverão considerar "outros métodos", admitiu Medvedev.Conhecida por evitar o isolamento no CS, a China também reviu sua posição. Na reunião da ONU, quinta-feira, a chancelaria chinesa dissera "não acreditar que sanções e o aumento da pressão sejam uma forma de resolver o problema" iraniano. Com a pressão dos EUA, um dia depois, já na cúpula do G-20, a diplomacia de Pequim afirmou que "exortava" Teerã a cooperar com a AIEA.Um avanço nas negociações com o Irã poderia ainda neutralizar, pelo menos temporariamente, uma outra peça fundamental do jogo diplomático: Israel. Serviços de inteligência israelenses estimam que o programa iraniano teria capacidade de produzir armas dentro de oito meses, afirma Eli Karmon, do Instituto de Contraterrorismo de Herzlia, Israel. Mas, com o avanço do diálogo, um ataque unilateral israelense torna-se uma opção mais remota."As duas opções, diplomacia ou ataque, não são boas. Mas Israel tem de trabalhar com a "menos pior"", disse Karmon.
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