Vou abrir o jogo: meu coração ao Obama pertence, mas ainda tenho um resto de memória e me lembro de George McGovern e outros liberais que nos despertaram paixões e levaram surras brutais de 49 a 1 nas eleições em novembro. Se Obama sair candidato terá o mesmo destino: sardinha para McCain e a extrema direita. Não escondo minha simpatia pelo republicano McCain - talvez o mais íntegro e experiente dos candidatos - mas acho que ele vai ter um troco antes de novembro e, para variar, a vassoura democrática será bem vinda. Sobra Hillary. Como a imprensa americana, eu também quero saber porque ela não mostra a declaração de impostos de 2006, a agenda durante os anos de primeira-dama e a fonte dos US$ 5 milhões que emprestou para a própria campanha, mas o que me derruba mesmo é aquela risada. E não é cisma minha. Saturday Night Life, um dos melhores programas de humor da televisão americana, tem uma imitadora oficial de Hillary e, sábado passado, na frente da senadora, as duas com o mesmo vestido, ela garagalhou como a senadora. Dona Hillary ficou chocada. "Não acredito. Eu não rio assim!", disse ela à comediante. Pois ri. Foi a segunda participação de Hillary no programa em duas semanas, e ela demonstrou um senso de humor que deve ter gerado milhares, senão milhões, de votos. Há uma Hillary debochada, capaz de rir dela mesma e dos outros, e aí é o problema. Quando solta uma gargalhada, perde votos conquistados, mas o saldo é positivo. Noutro quadro, ela e Obama estão num debate e os entrevistadores babam, ouvem o senador. Só fazem perguntas fáceis, e um deles pergunta se ele está confortável ou quer mais um travesseiro. E ferro na senadora. Hillary e o marido já reclamaram várias vezes da imprensa e ela, durante um dos debates, se queixou que todas as primeiras perguntas dos jornalistas eram sempre dirigidas a ela. Quem responde em segundo tem sempre a vantagem do tempo para pensar. Desde a semana passada, provocado ou não pelas queixas dela e o humor do Saturday Night Life, saíram várias matérias em jornais e tevês examinando o favoritismo da cobertura e a paixão da imprensa por Obama. O centro de pesquisas "Project for Excellence" in Journalism, que estuda 48 dos maiores jornais e telejornais do país, informa que na segunda semana de fevereiro 69% do noticiário se concentrou em Obama, em geral favorável. Uma pesquisa do New York Times-CBS mostra que metade dos entrevistados disseram que a imprensa é mais dura com Hillary do que com Obama. Só um em dez achou que a imprensa é contra Obama. Os jornalistas negam a paixão e alguns têm boas explicações. A imprensa prefere vencedores e Hillary tinha 11 derrotas seguidas, disse Mike Glover, da AP, ao New York Times. Hillary tem um currículo muito mais longo e complicado, é outra explicação comum. Obama é cara nova com passado sem escândalos conhecidos, mas a imprensa já está examinando as relações dele com Antoin Rezko, um milionário corrupto de Chicago, e as caronas que o senador pegava em jatos de corporações. A votação dele como deputado e senador também foi tema de críticas recentes. Ontem o senador culpou a imprensa pelas derrotas dele em Ohio e no Texas. Um dia é da caça, outro do caçador, mas a imprensa sempre leva a culpa. Objetividade total, como sabemos, não existe em jornalismo. Se os jornlistas ou donos de jornais tivessem este poder, Nixon e Reagan jamais teriam sido eleitos. Eram desprezados pelos jornalistas. Muitos repórteres foram seduzidos pela camaradagem de George Bush em 2000, mas depois que caíram no conto das Armas de Destruição em Massa a cobrança tem sido implacável. Johnson mentia tanto que surgiu a expressão "Credibility Gap". Ele gostava de manter os jornalistas influentes perto dele: "Prefiro ter gente dentro da minha tenda mijando para fora do que gente de fora mijando para dentro". Depois de Watergate as relações entre a imprensa e governo nunca mais foram as mesmas, mas nem antes nem depois os jornalistas tiveram o poder de fazer ou desfazer presidentes dos Estados Unidos. BBC Brasil - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito da BBC.
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