O dinheiro voltou a circular e os ônibus começaram a percorrer as ruas cheias de destroços da capital do Haiti nesta sexta-feira, mas ainda não havia comida suficiente para alimentar os sobreviventes do terremoto. "Podemos fazer isso 24 horas por dia pelos próximos seis meses e ainda assim não satisfaremos a demanda", disse o primeiro sargento Rob Farnsworth, que integra a unidade aerotransportada do Exército norte-americano que distribui pacotes de alimentos em um acampamento esquálido onde os sobreviventes vivem a céu aberto. Até 1,5 milhão de haitianos perderam suas casas após o terremoto de 12 de janeiro que abalou o pequeno país caribenho, devastou a capital Porto Príncipe e matou cerca de 200 mil pessoas. A população se esforça para encontrar comida, água e cuidados médicos. Mesmo aqueles cujas casas resistiram ao tremor de magnitude 7 estão muito traumatizados pelos tremores secundários para dormir debaixo de um teto. Há sinais de que a vida cotidiana está sendo retomada. Os taptaps, os pequenos ônibus privados decorados com muitas cores, começaram a circular em Porto Príncipe, compartilhando as ruas com as escavadoras e pás carregadeiras que limpam os destroços. Os bancos estão programados para reabrir no sábado e agências de transações monetárias fizeram alguns negócios. Centenas de pessoas disputavam por um lugar diante de uma agência da Unitransfer aberta na sexta-feira. "Quero pegar um pouco de dinheiro enviado pela família no Canadá. São 500 dólares, mas está difícil. Há tantas pessoas", disse o empresário Aslyn Denis, de 31 anos, aguardando na longa fila. O Programa Alimentar Mundial distribuiu 1,2 milhão de rações de comida a hospitais e orfanatos na quinta-feira e espera distribuir 10 milhões na semana que vem. "Talvez sejamos capazes de aumentar ainda mais rápido", disse Josette Sheeran, diretora executiva do Programa Alimentar Mundial, da Organização das Nações Unidas (ONU). "Finalmente temos suprimentos e alimentos vindos de todos os cantos do mundo." AVANÇO EM CAMINHÃO DE COMIDA O porto marítimo de Porto Príncipe passou por reparos a fim de reabrir parcialmente para navios de carga, enquanto as pistas perto da capital do Haiti e na vizinha República Dominicana recebiam voos trazendo ajuda. "Estão vindo em navios e aviões. Temos cinco pontos de entrada em Porto Príncipe por terra, ar e mar", afirmou Sheeran. No entanto, cerca de mil pessoas famintas avançaram num caminhão militar norte-americano quando a 82a companhia aerotransportada, conhecida como "the Beast" (a besta), distribuía alimentos e água em um acampamento num campo de futebol. Subjugados, os soldados se retiraram após distribuir 600 pacotes de refeições, deixando ainda 250 pacotes no caminhão. Um grande supermercado, o Big Star Market, reabriu suas portas no subúrbio de Petionville nesta sexta-feira, vendendo desde nacos de presunto e carne de carneiro até chocolates para o Dia dos Namorados. A gerente da loja disse que tinham estoque apenas para uma ou duas semanas e ainda não haviam recebido entregas. "Está difícil, porque todo mundo fica nervoso ao estar dentro dos lugares, as pessoas podem pagar apenas com dinheiro ou cheque, não é fácil", disse ela. Os haitianos estão se dando conta que podem levar meses ou anos para retornarem à normalidade. "Queremos acabar com isso, mas ainda não terminou, as coisas estão ruins", disse a arquiteta Jeanette, de 53 anos, que fazia compras no supermercado. "Perdi meu escritório. Perdi um ano inteiro de trabalho. Não temos estabilidade, não temos direção, fomos deixados à nossa própria sorte. Não podemos fazer planos para o futuro, vivemos apenas um dia após o outro." A Organização das Nações Unidas (ONU) contabilizou quase 450 acampamentos de sem-teto apenas em Porto Príncipe e pediu que o governo os consolidasse para seguir com a distribuição de alimentos. "A população está tão espalhada e todos eles precisam de serviços básicos", afirmou Sheeran. "Estamos de fato rezando para que não chova, porque isso dificultará ainda mais para chegar às pessoas." O governo do Haiti planeja levar 400 mil sobreviventes de Porto Príncipe para novos vilarejos que serão construídos nas proximidades da cidade costeira, onde os sem-teto aninham-se, cozinham e dormem em meio a corpos em decomposição e montanhas de lixo. "Precisamos de abrigo e de chuveiros. Não temos comida nem água. Quando chove, temos muitos problemas", disse o estudante Iswick Theophin, que está morando num abrigo improvisado. RÁDIOS DE GRAÇA Helicópteros da Marinha norte-americana transportaram caixas de água para distribuir aos haitianos num acampamento montado num campo de golfe. O ator Sean Penn visitou o local nesta sexta-feira para entregar antibióticos, analgésicos e filtros de água. "A cidade inteira desabou", comentou ele. Soldados norte-americanos começaram a distribuir 50 mil rádios movidos a energia solar ou a manivela para ajudar os haitianos a se informar e a receber os anúncios públicos. Os aparelhos também têm luzes e carregadores de celulares. (Reportagem adicional de Catherine Bremer, Adam Entous, Joseph Guyler Delva e Natuza Nery em Porto Príncipe, e de Lesley Wroughton e Adam Entous em Washington)