Imaginava usar o espaço de hoje com reflexões a respeito de mudanças que ocorrem na cúpula de alguns grandes clubes. Santos e Flamengo são os exemplos mais recentes de trocas de velhos caciques por presidentes neófitos e seguem o que haviam feito, algum tempo atrás, Vasco e Palmeiras. Torço para que a cartolagem que chega tenha mentalidade arejada e ajude a enfraquecer o coronelismo da bola. Como sou escaldado, tenho lá minhas reservas e prefiro ficar à espreita.Falar de dirigente (de preferência mal) é tema tentador, mas decidi deixá-lo em segundo plano ao ler reportagem de Evandro Fadel, no caderno de Esportes de ontem. O correspondente do Estado, em Curitiba, conta o drama da enfermeira Tânia Regina da Silva, uma das vítimas da violência ocorrida após o jogo em que o Coritiba empatou com o Fluminense e caiu para a Série B. Ela perdeu três dedos da mão direita e corre risco de ficar surda de um ouvido por causa de bomba de fabricação caseira que explodiu no ônibus em que viajava, no domingo à noite.O relato é simples, estarrecedor e revoltante. Tânia não gosta de futebol, nunca foi a estádios e nem sabia que havia jogo de "vida ou morte" para um dos times da cidade. Ela voltava para casa, depois de jornada de trabalho, quando viu a confusão nas ruas, os vidros estilhaçados do ônibus e um artefato fumegante a seus pés. Percebeu que era bomba, tentou jogá-la para fora, para evitar tragédia maior, e se feriu. Tânia ainda está internada, tenta entender o que aconteceu. Sabe apenas que levará daqui para frente traumas e sequelas no corpo dilacerado. Os vãos entre os dedos serão a lembrança cotidiana da brutalidade. Algum conformista pode alegar fatalidade, como ser derrubado por bala perdida, ser tragado por águas de enchente ou ser soterrado por deslizamento durante uma tempestade. Não é, assim como não são obras do acaso essas monstruosidades que nos atingem a todo momento e que caem no esquecimento tão logo deixem de dar ibope. Tânia é consequência de bola cantada, de filme visto à exaustão e com terror. Não há semana em que não ocorra algum incidente provocado supostamente pela paixão pelo futebol. Viraram cenas banais as brigas entre bandos de torcedores, os quebra-quebras. Os jornais já nem registram todos esses episódios ? e quando o fazem viram notas de rodapé. Nos acostumamos ao descaso, como nos consolamos com as explicações costumeiras de providências contra enchentes, contra guerras de facções criminosas, contra corrupção e... contra a atuação das gangues organizadas. A bomba que atingiu Tânia não foi jogada por um fã desolado, frustrado pelo rebaixamento do time de coração. Havia milhares de seguidores do Coritiba nessa condição, que xingaram, se descabelaram, choraram e foram para casa tristes. Sem bater em ninguém, sem destruir. Tânia foi atingida por uma bomba feita por quem se habituou a ir para estádios com arsenais, preparado para batalhas, para encontros marcados até em sites de relacionamentos. Esses covardes são figuras carimbadas, identificáveis, como provou a TV Globo, ao destacar vários rostos e respectivos uniformes. Basta ir atrás deles, não é tarefa de outro mundo. E puni-los, não com pancadas, mas com a lei. Tânia somos todos nós ? que talvez não passemos de mais uma crônica de jornal.