O empresário Marcos Valério, apontado como principal operador do mensalão, foi condenado a mais de 40 anos de prisão e a pagar multa de cerca de 3 milhões de reais pelo Supremo Tribunal Federal (STF) nesta quarta-feira, em mais um dia com embates entre relator e revisor do processo. Essa pena poderá ser reduzida até o fim do julgamento caso os ministros considerarem --por meio de critérios que ainda serão estabelecidos -- que houve uma continuidade entre os crimes e não condutas ilícitas individuais. O Código Penal brasileiro prevê que réus condenados a mais de oito anos cumpram a pena em regime fechado e estabelece a pena máxima de 30 anos de prisão. Valério recebeu penas por formação de quadrilha (2 anos e 11 meses), corrupção ativa por irregularidades na Câmara dos Deputados (4 anos e 1 mês), peculato por contratos na Câmara (4 anos e 8 meses), corrupção ativa por contratos no Banco do Brasil (3 anos, 1 mês e 10 dias), peculato por contratos no Banco do Brasil por bônus de volume e do fundo Visanet (5 anos, 7 meses e 6 dias). Também recebeu penas por lavagem de dinheiro (6 anos, 2 meses e 20 dias), corrupção ativa de parlamentares (7 anos e 8 meses) e evasão de divisas (5 anos e 10 meses). Além disso, foi condenado a pagar multas que somam cerca de 3 milhões de reais. O relator, ministro Joaquim Barbosa, disse que as multas atribuídas se devem ao elevado patrimônio declarado pelo empresário que, segundo ele, pode ser estimado em 8 milhões de reais. O ex-ministro-chefe da Casa Civil José Dirceu, considerado mentor e chefe do esquema, e o ex-presidente do PT José Genoino também foram condenados por formação de quadrilha e corrupção ativa a parlamentares, crimes que renderam a Marcos Valério pena de 10 anos e sete meses prisão. A definição das penas continuará na quinta-feira com a análise das punições aos ex-sócios de Valério Ramon Hollerbach e Cristiano Paz, que também integrariam o chamado núcleo publicitário. Após a sessão de quinta-feira, o processo de cálculo das penas será interrompido e retomado em 5 de novembro, já que Barbosa viajará no dia 29 para a Alemanha para se submeter a um tratamento de saúde e retornará ao Brasil no dia 3. "(A pausa) Será uma ótima oportunidade para que nós pensemos melhor (nas penas)", disse o revisor, Ricardo Lewandowski, no fim da sessão. Segundo ele, os valores finais das penas, a partir do exemplo de Valério, podem ficar "além do razoável". "PENA ESTAPAFÚRDIA" A sessão teve a troca de farpas mais forte entre Barbosa e Lewandowski, que protagonizaram diversos embates durante o julgamento. Desta vez, a divergência foi em relação à data do oferecimento de propina por Valério. A punição ao crime de corrupção ativa foi alterada em 2003, tornando-se mais rigorosa. Barbosa considerou os novos aspectos, já que os recursos teriam sido recebidos após a mudança, mas Lewandowski disse que o crime ocorreu antes da imposição das novas regras. "A meu ver, incide a redação original do Código Penal com relação à corrupção ativa", disse Lewandowski. A maioria dos ministros seguiu o entendimento do revisor, o que reduziu a pena estabelecida por Barbosa. O relator reconheceu não haver provas que determinem o momento exato da oferta, mas apontou para a existência de fatos concretos que apontam que a propina "sabidamente se deu mais de uma vez depois da lei nova". O método adotado pela Corte prevê a leitura de cada crime de cada réu. As penas, então, são anunciadas pelo relator e, depois, quando o caso, pelo revisor. Só então os demais ministros se manifestam. Lewandowski voltou a criticar este método, como fez na sessão anterior, pedindo para que o STF não calcule as penas 'mecanicamente", apontando para uma punição final "completamente estapafúrdia". "Vamos chegar a uma (pena) estratosférica", disse o revisor. Barbosa rebateu: "A minha lógica não é de Vossa Excelência", disse, acusando novamente Lewandowski de "baratear" o crime de corrupção. Lewandowski disse que usa a "lógica da Constituição". "ADVOGADO DE DEFESA?" No voto seguinte, a questão voltou à tona. Lewandowski disse que, naquele momento, as penas somadas já ultrapassavam 20 anos de detenção e perguntou a Barbosa se a punição de "mais de duas décadas" era pouco. O relator rebateu, apontando para "tantas vantagens" na legislação brasileira que relativizariam a pena. "Num caso como esse, eu tenho certeza que ele não cumprirá mais do que 6 meses dessa pena", disse Barbosa, sendo interrompido novamente por Lewandowski, que apontou a elevada soma da punição naquele ponto. Barbosa rebateu: "Vossa Excelência advoga para ele?", e o revisor replicou: "Vossa Excelência faz parte da Promotoria?". O presidente da Corte, Carlos Ayres Britto, interrompeu a discussão, como fez em outros casos, dizendo a Barbosa que "ninguém advoga para ninguém aqui". Após o intervalo, Barbosa pediu desculpas publicamente a Lewandowski, atribuindo as palavras duras ao colega à inquietação sobre o prolongamento do julgamento. O revisor citou "grandeza" na ação e também se desculpou. Segundo integrantes da Corte, os ministros Ayres Britto e Celso de Mello conversaram com Barbosa no intervalo, pedindo moderação. Muito irritado, Lewandowski passou o intervalo no gabinete. O advogado de Valério, Marcelo Leonardo, foi à tribuna da Corte no início da sessão com três questões de ordem, relativas às penas, agravantes e multas. Não há previsão para o término desta fase, a última do julgamento.