A preocupação com a palavra sempre moveu o poeta e semiólogo Décio Pignatari - um dos principais nomes da Poesia Concreta (ao lado dos irmãos Augusto e Haroldo de Campos), ele é criador do poema-código e semiótico. O verso, portanto, é seu instrumento de trabalho e é justamente a transformação da literatura por conta da evolução tecnológica que vai motivar a conversa de Pignatari com o público no evento Sempre um Papo, hoje no Sesc Vila Mariana."Quero falar sobre um tema polêmico, o fim da literatura, mas encaixado em um tópico mais abrangente, que é a crise da arte", disse ele, que também vai autografar sua obra, especialmente o mais recente, o infanto-juvenil Bili com Limão Verde na Mão (Cosac Naify). "Na verdade, o fim propriamente não vai nunca acontecer. O que existe, hoje, é a palavra falada, na forma escrita."Ele utiliza como exemplo as transformações do verso, que entrou em crise graças ao francês Stéphane Mallarmé (1842-1898), que trouxe para a poesia o radicalismo estrutural e racional de que ela precisava para se renovar. "Mas, nem por isso o verso se extinguiu - apenas sofreu modificações", comenta Pignatari. "Quando se fala em fim de uma arte, na verdade, o certo é falar sobre sua transformação acelerada, como uma metamorfose apressada pela evolução tecnológica."É o caso da forma de se narrar uma história, que sofreu abalos profundos com a publicação de Ulysses, de James Joyce, publicada em 1922. "A visão que se tinha do romance entrou em crise", observou o poeta. "Na verdade, já desde Gustave Flaubert e sua Madame Bovary o enredo perdeu sua relevância: afinal, não se trata apenas de um adultério que resulta em um suicídio, mas de uma escrita que se sobrepôs à trama."As mudanças são inevitáveis. Pignatari lembra que, com o desenvolvimento dos jornais na passagem do século 19 para o 20, a literatura foi obrigada a se modificar pois a imprensa passou a narrar histórias incríveis. Também a linguagem literária passou por mutações, pois os jornais traziam um texto direto, compactado, que influenciou a narração e a narrativa literárias. "O ato de se contar uma história entrou em crise, pois a escrita se tornou mais importante."O poeta não se confessa pessimista - apenas realista. Segundo ele, o domínio da palavra escrita sempre vai exigir um tipo de inovação, seja sofrendo influências de outras formas de arte, seja absorvidas por elas. "A pintura mudou com o advento da fotografia", conta. "Afinal, foi vendo fotos em preto e branco que os pintores impressionistas fizeram sua revolução. Eles observaram que a sombra de uma árvore em um gramado tinha apenas um tom cinzento mais escuro que o do gramado. Ou seja, a sombra tinha cor. Isso influenciou uma legião de pintores."O que se pode esperar do futuro? Pignatari aposta em meios ainda pouco utilizados. "Acredito que logo teremos grandes obras de ficção literária em quadrinhos. Eis uma forma de arte na qual ainda é possível fazer muita coisa." Serviço Sempre Um Papo. Sesc Vila Mariana (131 lug.). Rua Pelotas, 141, 5080-3000. Hoje, 20 h. Grátis
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