O trabalho para reconstruir a vida depois da catástrofe já começou para a maioria dos catarinenses, só que em meio à lama. As águas baixaram em quase todo o Vale do Itajaí e moradores têm voltado às casas para tentar recuperar o pouco que sobrou. O medo de saques motivou até patrulhas policiais e restrições à locomoção de pessoas por parte da prefeitura. Veja também: Saiba como ajudar as vítimas da chuva IML divulga lista de vítimas identificadas Mulher fala da perda de parentes em SC Tragédia em Santa Catarina Blog: envie seu relato sobre as chuvas Blog Ilha do sem Blumenau Blog Desabrigados Itajaí Blog Arca de Noé Veja galeria de fotos dos estragos em SC Tudo sobre as vítimas das chuvas Ainda falta água para limpeza e comida para muitos que não foram para os abrigos e preferiram ficar em vigília, protegendo o imóvel inundado. Nas estradas ainda não há previsão de liberação - o acesso ao norte de Florianópolis pela SC-401, por exemplo, só deverá ser retomado em 20 dias, mesmo prazo dado para a recuperação do gasoduto Brasil-Bolívia. No centro de Itajaí, o transporte coletivo foi retomado e parte do comércio reabriu, incluindo supermercados e restaurantes, mas outros serviços públicos ainda não voltaram a funcionar. A prefeitura estima que só em 15 dias a limpeza da cidade estará completa. Os estudantes só voltarão às aulas na próxima semana, em data a ser confirmada, e os hospitais de Itajaí e região estão sentindo falta de sangue e precisam de doadores. Esgotados, depois de três ou quatro dias ininterruptos de ação, os voluntários começam a deixar de ir aos centros de distribuição e abrigos, o que preocupa a Defesa Civil. O comando da Polícia Militar de Santa Catarina editou ontem uma portaria que restringe a circulação de pessoas à noite em algumas áreas do município, principalmente onde há riscos. A medida começou a valer na noite passada, embora sem um horário delimitado. "Não se trata de um toque de recolher, mas sim de uma medida para evitar acidentes em áreas de risco e saques", diz o major Carlos Alberto de Araújo Gomes. A polícia aborda quem está nas ruas e pede identificação. Se a pessoa se declarar morador de uma região, os soldados a acompanham para verificar se reside realmente na residência citada. Em relação aos voluntários, será checado se a pessoa abordada possui cadastro na Defesa Civil. O major Gomes diz que, como a água começou a baixar e muitas pessoas ainda estão nos abrigos, há o risco de que algumas regiões possam ser alvo de criminosos. A PM também vai impedir que bares e restaurantes funcionem no período noturno. "Nossa intenção é evitar que esses estabelecimentos atraiam pessoas para as áreas de risco." Submerso Por todos os lugares de Itajaí, há pilhas e pilhas de material à espera do caminhão da prefeitura. "O pior foi quando ouvi minha filha Cauana dizer: ‘Você não trouxe a minha cama? E a minha boneca?’ O que uma mãe podia dizer nessa hora?", indaga Raquel Rodrigues, de 33 anos. Ontem, ainda observava moradores fazendo a faxina para tentar voltar a dormir em suas casas. O imóvel de Raquel, no bairro do Pró-Morar, continua submerso. Ontem, ela criou coragem e entrou. Viu todos os móveis e eletrodomésticos destruídos. De nada adiantou empilhar o mobiliário prevendo uma cheia menor. Se chegasse a 1 metro de altura, tudo bem. O nível da água, contudo, ultrapassou o telhado. Os equipamentos de sua fábrica de estopas se perderam. "Somos a baixada, enquanto o resto está limpando a desgraça, nós temos de esperar a nossa. Até nisso levamos a pior", se resigna o marido, Alfredo Luiz Pereira, de 42 anos. Nas últimas quatro noites, ela e vizinhos têm ficado de vigília na madrugada para evitar os saques. Para cima da ponte Moradora da Rua Gilberto Mafra, que continua alagada, a faxineira Cícera Maria da Conceição, de 42 anos, passa horas mirando a casa, agachada no chão. A cada pequeno passo que dá, mais perto está da hora de voltar. "O que consegui em 18 anos perdi na chuva. O que o pessoal do Nordeste vai pensar quando ouvir essa notícia", afirma a pernambucana de Ribeirão, na Região Metropolitana do Recife. Hipertensa, Cícera tentou trocar de lugar com um cunhado num abrigo montado pela prefeitura de Itajaí. Mas foi impedida. Restou a ela pegar o veículo Escort e, com o marido, o pedreiro Osvaldo Mestoreto, de 55 anos, passar a viver no alto de uma ponte da BR-101, um dos poucos lugares seguros na vizinhança. "Há seis dias a gente dorme no carro. E sempre em revezamento, para um ficar cuidando da casa", diz ela. (Colaborou Renato Machado, de O Estado de S. Paulo.)