SÃO PAULO - A segunda tragédia em menos de 15 dias fez o País se questionar sobre por que acidentes como esses se sucedem no Brasil. Para estudiosos da sociedade, o que falta é um forte princípio de responsabilidade, que se soma à sensação de impunidade. Isso prejudica questões práticas, como manutenção, prevenção e fiscalização, que poderiam evitar mortes que devastaram o Flamengo, Brumadinho e todos os brasileiros.
Veja imagens do rompimento de barragem de rejeitos da Vale em Brumadinho
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Tragédia em Minas Gerais
A Agência Nacional de Mineração (ANM) declarou que a mineradora Vale vistoriou, em dezembro de 2018, estrutura da barragem de Brumadinho sem ter apont... Foto: Washington Alves/ReutersMais
Moradores
É comum ver imagens de moradores de Brumadinho olhando para o horizonte em silêncio Foto: Mauro Pimentel/AFP
Catástrofe ambiental e humana
Bombeiro recolhe gaiolas no meio do mar de lama da catástrofe de Brumadinho. Foto: Adriano Machado/Reuters
Animais
Equipes de resgate voluntáriastentaramsalvar a vaca que esta atolada na lama de rejeitos de ferro. O animal teve que ser sacrificado. Foto: Wilton Junior/Estadão
Dificuldade no resgate
Bombeiros têm dificuldade de acessar algumas áreas para fazer o resgate dos sobreviventes Foto: Douglas Magno/AFP
Tragédia em Minas Gerais
Uma barragem de rejeito se rompeu em Brumadinho, na região metropolitana de Belo Horizonte. Foto: Douglas Magno/AFP
Tragédia em Minas Gerais
Lama destruiu estrada em Brumadinho. Foto: Washington Alves/Reuters
Tragédia em Minas Gerais
A tragédia aconteceu na altura do km 50 da Rodovia MG-040. Foto: Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais
Tragédia em Minas Gerais
As barragens pertencem à mineradora brasileira Vale. Foto: Washington Alves/Reuters
Catástrofe ambiental e humana
Bombeiros tentam, sem sucesso, resgatar uma vaca atolada após rompimento de barragem. Foto: Adriano Machado/Reuters
Tragédia em Minas Gerais
Segundo informações do site da Vale sobre as barragens da região, a estrutura que se rompeu foi construída em 1976. Foto: Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais
Tragédia em Minas Gerais
A prefeitura de Brumadinho pediu que a população mantenha distância do leito do Rio Paraopeba, que é um afluente do São Francisco. Foto: Douglas Magno/AFP
Tragédia em Minas Gerais
A Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa), responsável pelo abastecimento de água na região metropolitana de Belo Horizonte, afirmou que não ... Foto: Corpo de Bombeiros Militar de Minas GeraisMais
Tragédia em Minas Gerais
Segundo a Vale, a área administrativa, onde estavam os funcionários, foi atingida, assim como a comunidade da Vila Ferteco. Foto: Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais
Tragédia em Minas Gerais
Os bombeiros enviaram equipes com policiais civis e militares, além de enfermeiros e medicamentos. Foto: Washington Alves/Reuters
Tragédia em Minas Gerais
Kombi foi soterrada pela lama após o rompimento da barragem em Brumadinho. Foto: Washington Alves/Reuters
Tragédia em Minas Gerais
Casa foi destruída e foi soterrada pela lama após o rompimento da barragem da Vale em Brumadinho. Foto: Washington Alves/Reuters
Tragédia em Minas Gerais
O governo federal montou um gabinete de crise em Brumadinho. Foto: Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais
Tragédia em Minas Gerais
Moradores de Brumadinho observam a lama que atingiu a cidade. Foto: Washington Alves/Reuters
Tragédia em Minas Gerais
No município de Brumadinho vivem cerca de 40 mil pessoas. Foto: Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais
Tragédia em Minas Gerais
O rompimento das barragens da Vale aconteceu na tarde de 25 de janeiro de 2019. Foto: Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais
Tragédia em Minas Gerais
O presidente Jair Bolsonaro fez pronunciamento no Palácio do Planalto, em Brasília, sobre a tragédia em Brumadinho. Foto: Ernesto Rodrigues/Estadão
Presidente Bolsonaro
Presidente Jair Bolsonaro observa destruição causada após rompimento de barragem da Vale em sobrevoo a Brumadinho Foto: Isac Nóbrega/Presidência da República
Tragédia em Minas Gerais
Voluntários trazem doações para as vítimas da tragédia em Brumadinho. Foto: Paulo Fonseca/EFE
Tragédia em Minas Gerais
Bombeiros retomaram os trabalhos na manhã deste sábado, 26. Foto: Corpo de Bombeiros de Minas Gerais
Tragédia em Minas Gerais
Fernando Nunes de Araujo é uma das dezenas de pessoas que começam a chegar na faculdade ASA de Brumadinho, onde deve ser divulgada a primeira lista de... Foto: Wilton Junior/EstadãoMais
Tragédia em Minas Gerais
Fernando Nunes de Araujo é uma das dezenas de pessoas que começam a chegar na faculdade ASA de Brumadinho, onde deve ser divulgada a primeira lista de... Foto: Wilton Junior/EstadãoMais
Batalha pela Vida
Bombeiros voltam enlameados após resgate em uma das áreas atingidas pelorompimento da barragem de rejeitos de Brumadinho, em Minas Gerais. Foto: Wilto...Mais
Estrada
Moradores observam trabalho dos bombeiros em estrada bloqueada pela lama em Brumadinho (MG) Foto: Wilton Junior/Estadão
Carro atolado
Um carro ficou atolado e destruído no meio da lama após o rompimento de barragem em Brumadinho (MG) Foto: Wilton Junior/Estadão
Helicoptero
Um helicóptero sobrevoa a cidade de Brumadinho, buscando vítimas após o rompimento da barragem Foto: Wilton Junior/Estadão
Bombeiros tentam encontrar sobreviventes em Brumadinho
Bombeiros tentam encontrar sobreviventes em Brumadinho após rompimento de barragem Foto: Washington Alves/Reuters
Corpo encontrado
Bombeiros carregam o corpo de uma das vítimas do rompimeto da barragem em Brumadinho até posto montado em frente da Igreja de Nossa Senhora das Dores Foto: Wilton Júnior/Estadão
Ponte
Ponte arrastada pela lama nas proximidades da barragem do Córrego do Feijão, em Brumadinho, MG, de propriedade da Vale Foto: Antonio Lacerta/EFE
Área devastada
Área devastada pela lama após o rompimento da barragem do Córrego do Feijão,de propriedade da mineradora Vale Foto: Wilton Júnior/Estadão
Equipe de resgate
Grupo de resgate caminha sobre a lama em busca de vítimas do rompimento da barragem do Córrego do Feijão, emBrumadinho (MG), de propriedade da Vale Foto: Antonio Lacerda/EFE
Resgate aéreo
Equipe de resgate usa helicóptero para procurar vítimas do rompimento da barragem do Córrego do Feijão, em Brumadinho (MG), de propriedade da Vale Foto: Giazi Cavalcante/Código 19
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Para o professor de ética e filosofia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Roberto Romano, o problema é que o Brasil não tem uma democracia consolidada. “A responsabilidade é a base da democracia moderna. É o que os Estados Unidos chamam de accountability”, explica. “Aqui isso não existe, todo mundo acha que pode fazer o que quiser porque não vai pagar por isso, tanto a sociedade quanto as autoridades.”
Ele explica que essa falta de responsabilidade vem do nosso período colonial e imperial, uma vez que reis não prestam contas. Para o professor, a sociedade brasileira só melhoraria com educação e bons exemplos. “Mas o que se aprende é jogar lixo no quintal do vizinho, pegar a vaga do outro no estacionamento, ser imprudente no trânsito para chegar antes.”
O antropólogo Roberto DaMatta acredita que essa irresponsabilidade já chegou ao intolerável e que a situação começa a mudar. “As redes sociais levantaram uma consciência nacional, houve um patriotismo nessa avalanche eleitoral que tirou coronéis do Congresso. Há cobrança, indignação como nunca vi.” Segundo ele, acontecimentos ditos inevitáveis podiam ser prevenidos e “hoje todo mundo sabe disso”.
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Ontem, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, afirmou que o Brasil tem “grande dificuldade” de “prevenir desastres de grandes proporções”. Segundo ela, os fenômenos que causam desastres de grandes proporções exigem a atuação das instituições de controle e fiscalização para que se examine se as medidas de prevenção estão sendo adotadas.
Bombeiros buscam vítimas após rompimento de lama Foto: Washington Alves/Reuters
O jurista Ives Gandra Martins não vê problema no conjunto de leis brasileiras, mas, sim, na sua efetiva aplicação. Isso, explica, se dá em parte pela organização do Judiciário, que não é ágil o suficiente para julgar os processos, e, por outro lado, da descrença da população quanto à importância de seguir as leis.
Para mudar, ele espera reformas amplas do governo Jair Bolsonaro. “Não pode haver reformas pontuais somente para atender à vontade popular. São necessárias reformas estruturais e permanentes. A aplicação insuficiente da legislação no Brasil é evidente”, disse, detalhando que há um excesso de recursos judiciais.
A impunidade enxergada por Gandra é um dos principais motivos apontados pela antropóloga Alba Zaluar para a manutenção de outra tragédia brasileira: a violência urbana e o patamar de 63,8 mil homicídios por ano. “Estima-se que 10% dos casos sejam transformados em processo. Representa uma enorme impunidade. Representa, na verdade, um estímulo a matar, pois não há efeito negativo da ação criminosa. Isso contribui muito para que se continue matando com tanta facilidade.”
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O patamar de homicídios atingido em 2017, com taxa de 30,8 por 100 mil habitantes, é o maior da história do País. Alba explica que a falta de “obediência às regras do jogo” – as leis – se caracteriza pela negação ao diálogo e a opção pelo conflito violento. Ela vê isso permeando as relações entre vizinhos, no trânsito, no contato entre homens e mulheres, no meio político. Contra isso, pede mais investimento em educação.
Prevenção esquecida
Educação, ou “cultura de segurança”, está no centro do que fala o professor titular do Departamento de Engenharia de Minas e Petróleo da Universidade de São Paulo (USP) Sérgio Médici de Eston. Ele está à frente da especialização em engenharia de segurança do trabalho na instituição e fala de forma muito enfática sobre o tema. “O Brasil não tem cultura de segurança. Quando há um desastre, o escarcéu é feito, mas daqui a pouco tudo volta ao normal”, disse, citando desde a ausência de simulados de evacuação em prédios para casos de incêndio até o tráfego perigoso de motos entre carros mesmo com um grande número de vítimas.
Ele lembra que, sem a dita cultura de segurança, também não há a importância devida à prevenção. A situação é potencializada pelo pouco apreço a atividades adequadas de manutenção, diz Eston citando o caso dos viadutos em São Paulo, onde duas dessas estruturas estão interditadas. A conta é fechada, então, pela dificuldade de fiscalização e a impunidade. Ele pede uma mudança de comportamento. “As causas do pequenos incidentes são as mesmas causas das grandes tragédias. Quando a consequência é pequena, uma ralada no joelho, a gente despreza. Mas não há uma causa especial para os grandes acidentes. São negligências acumuladas.”