Os argentinos estão formando longas filas nos supermercados, levando o que conseguem para casa, com medo que os protestos do setor agropecuário se prolonguem e agravem o desabastecimento já verificado em diversos pontos do país. Os protestos contra o aumento dos impostos às exportações, principalmente da soja, completaram 15 dias nesta quinta-feira e envolvem bloqueio de estradas, impedindo a passagem de caminhões carregados com alimentos. Nos supermercados, faltam carrinhos para atender ao aumento da demanda, e muitas prateleiras estão vazias, como as de frango, carne e óleo. As filas se prolongam por mais de uma hora. "Imagine quanto tempo isso pode durar?", pergunta uma senhora para outra na fila. "Por isso estou me previnindo. Compras para um mês", responde a outra. A mesma escassez não é vista nas quitandas de frutas, legumes e verduras, onde, em muitos casos, os produtos não dependem dos caminhões que estão parados nas estradas devido aos bloqueios. Panelaços Os reflexos do protesto dos produtores rurais ficaram visíveis durante a semana não apenas na corrida da população aos supermercados, mas também nas ruas da capital, Buenos Aires, e de diversas outras cidades. Com frigideiras, tampas de panelas, panelas, baldes e garrafas vazias, além de aplausos e buzinaços, moradores das cidades realizaram os chamados panelaços em apoio aos produtores rurais. Na noite desta quinta-feira, pelo terceira vez consecutiva, uma multidão, formada na maioria de jovens, levando também a bandeira argentina, desceu a Avenida Callao a caminho da Avenida Libertador, no bairro turístico da Recoleta, um dos mais caros de Buenos Aires. Àquela hora, depois das 22h (no horário local), a maioria pensava que havia terminado o panelaço do dia. Alguns manifestantes levavam cartazes com os dizeres "Estamos com o campo", referência ao protesto do setor agropecuário. Mais tarde, depois das 23h, a TV América mostrava outros panelaços pela cidade. Lembrança histórica Os panelaços não eram realizados na Argentina desde a histórica crise política e econômica vivida em dezembro de 2001. Naquela época, famílias inteiras caminharam até a simbólica Praça de Maio, em frente à sede da Presidência da República, para gritar contra a medida do governo do então presidente Fernando de la Rúa batizada de "corralito" - congelamento dos depósitos bancários. Nesta terça-feira, primeiro dia do panelaço, o barulho das panelas surpreendeu. "Panelaço? Onde? Recoleta?", foi a reação de muitos num seminário realizado pela Universidade Tres de Febrero, onde o assessor internacional do governo Lula, Marco Aurélio Garcia, era um dos palestrantes. Dali, no centro da cidade, até o bairro da Recoleta, passando pelo Barrio Norte e por Retiro, outras duas zonas de classe média e alta, era possível ver famílias, grupos de amigos, homens de terno e gravata e crianças batendo tampas de panelas em várias esquinas. Alguns batiam panelas sozinhos na varanda. Confronto Depois, a multidão caminhou, pacificamente, até a Praça de Maio. "Argentina, Argentina", eram os gritos mais ouvidos. "Que se vaya, que se vaya" ("fora"), diziam outros. Até que surgiu a informação de que um grupo dos chamados "piqueteros" (setores de manifestantes que apóiam o governo) chegaria à praça, para "ocupá-la". Muitos saíram correndo. Houve empurra-empurra e troca de socos e pontapés entre seguidores e opositores do governo. Na emissora de televisão TN (Todo Notícias), a repórter dizia ao âncora, que estava no estúdio, que os manifestantes que realizaram o panelaço eram "todos brancos" e "bem vestidos". No dia seguinte, um dos líderes de um movimento que apóia o governo, Luis D`Elia, disse a outra repórter da mesma emissora: "Quero que saibam que também somos cidadãos como os demais". Uma queixa porque só se referiam a ele como "piqueteiro" (também sinônimo, para muitos, de desempregado). Nesta quinta-feira, os principais sites da Argentina, como Ambitoweb, atribuíam a D`Elia a frase que teria dito numa rádio: "Me move o ódio pelas oligarquias do país". Nos protestos dos ruralistas, nas estradas, as emissoras de televisão mostraram os cartazes que eles carregam. "Não cobramos para fazer protesto", dizia um dos cartazes, uma referência às críticas de opositores do governo e do movimento político peronismo, criado por Juan Domingo Perón há mais de 50 anos, de que os manifestantes teriam ônibus gratuito para chegar aos locais dos protestos. BBC Brasil - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito da BBC.
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