Preso em Santa Catarina trabalha para ajudar com gasto de estadia na cadeia

Três em cada dez presos recebem salário por serviço remunerado no Estado do Sul. Especialista destaca que proposta é positiva, mas não pode ser voltada apenas para a manutenção do sistema carcerário

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Foto do author José Maria Tomazela
Atualização:

Três em cada dez presos exercem trabalho remunerado em Santa Catarina. Eles recebem o salário mínimo (R$ 1,5 mil) e metade do valor é enviada para a família. Da outra metade, 25% ajudam a custear a estadia no sistema prisional -, além de ir para áreas como saúde educação e segurança -, e 25% vão para uma poupança que o detento só saca quando ganha a liberdade.

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O Estado tem 28,1 mil pessoas privadas de liberdade e, destas, 8.392 estão trabalhando, o que representa percentual de 30% da população carcerária em atividade laboral remunerada. No Brasil todo, a média de presos que trabalham é de 23,8%, mas quase a metade não recebe remuneração.

No ano passado, Santa Catarina arrecadou R$ 28 milhões com a mão de obra dos detentos. O governador diz que há um esforço para tornar Santa Catarina referência nacional de ressocialização dos detentos por meio do trabalho.

Dados do Levantamento de Informações Penitenciárias da Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen), órgão do Ministério da Justiça e Segurança Pública, apontam que, dos 663,9 mil presos no Brasil, 158,3 mil (23,8%) exercem alguma atividade laboral. Desse total, 68,6 mil (43,3%) trabalham apenas pela remição (redução da pena), sem remuneração.

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Preso trabalha em fábrica de barcos, na colônia penal de Palhoça, em Santa Catarina. Metade do salário vai para a família. Foto: Jaqueline Noceti

Os números são do segundo semestre de 2024 – o número de detentos considera aqueles em celas físicas, incluindo os que saem para trabalhar ou estudar, mas dormem no estabelecimento.

Santa Catarina tem 53 estabelecimentos penais e, destes, 51 possuem termos de parceria laboral firmados entre estado e empresas privadas ou órgãos públicos (prefeituras municipais, secretarias e empresas públicas) para trabalho dentro ou fora dos presídios. Em 32 unidades, os presos saem para trabalhar em empresas privadas.

Quatro unidades são empreendimentos próprios dos fundos rotativos regionais – um fundo financeiro administrado pela própria unidade com participação dos detentos.

No caso das empresas privadas que exigem mão de obra mais especializada, o treinamento é fornecido pelas próprias contratantes. Além disso, o Estado oferece treinamento por meio dos projetos de capacitação profissional e implementação de oficinas permanentes, vinculados à Senappen. Há também treinamentos em parceria com a Secretaria de Estado da Educação.

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A empresa de telecomunicações e eletrônica Intelbras, por exemplo, tem uma fábrica dentro da penitenciária, em São Pedro de Alcântara. Os detentos trabalham na montagem de equipamentos eletrônicos. Dos 1,3 mil detentos da unidade de alta segurança, que abriga presos com penas elevadas, cerca de 500 estão trabalhando.

O trabalho externo é apenas para os presos em regime semiaberto, com autorização judicial. Os detentos do regime fechado realizam exclusivamente o trabalho interno, que também pode ser prestado pelos presos do semiaberto.

Trabalho inclui montagem de eletrônicos em oficina tecnológica de São Pedro de Alcântara Foto: Jaqueline Nocetti - Ascom Sejuri/GovSC

“Ele (preso) não sai só com a roupa do corpo depois de cumprir toda a pena; ele recebe um dinheirinho para quando sair, para recomeçar a sua vida e não voltar ao crime”, afirma, em nota, o governador Jorginho Mello (PL).

Parte dos recursos é revertida para melhorias na infraestrutura das unidades prisionais, compra de materiais e desenvolvimento de programas de capacitação. A possibilidade de trabalho, segundo o governo, reduz a reincidência criminal e facilita a reintegração à sociedade, já que o preso sai da cadeia após ter aprendido uma profissão.

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Enquanto no País a maioria dos presos trabalha com artesanato, o sistema carcerário catarinense investe em mais frentes produtivas, incluindo fabricação de móveis, confecções de uniformes e montagem de eletrônicos, dentro e fora da cadeia. A Secretaria de Justiça e Reintegração Social busca novas parcerias com o setor privado para ampliar a ocupação dessa mão de obra.

Dever social e dignidade

A Lei de Execução Penal, de 1984, determina que o trabalho da pessoa condenada deve ser dever social e condição para a dignidade humana, com finalidades educativas e produtivas. A remuneração pelo trabalho é destinada à indenização dos danos causados pelo crime, assistência à família, despesas pessoais e ressarcimento ao Estado pelas despesas de manutenção do condenado.

Os dados do Sistema Nacional de Informações Penais, vinculado à Senappen, apontam que a oferta de atividades laborais nas prisões brasileiras ainda é restrita, embora o número de presos esteja em aumento crescente.

Em 2023, cerca de 12% das unidades não tinham pessoas em atividades laborativas. Oficinas de artesanato e de corte e costura industrial eram as ocupações mais comuns.

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Detentos trabalham em roçagem de praças e áreas verdes de Florianópolis, capital do estado. Foto: Jaqueline Noceti

Manutenção do sistema ou ponte com o mundo externo?

Para Juliana Brandão, pesquisadora sênior do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, iniciativas como a de Santa Catarina ainda são minoria “Com a entrada no sistema (carcerário), a pessoa sofre interrupção de qualquer atividade laboral que vinha exercendo. É preciso verificar se a iniciativa a conecta com o mundo externo, ou se é voltada só para a manutenção do sistema.”

Ela considera importante que as ações visando à ressocialização do preso por meio do trabalho não sejam apenas para manter o sistema, mas também reflita na recuperação social do detento. “É necessário esse equilíbrio. O preso é uma pessoa cuja cidadania está em questão. A atividade laboral deve ser no sentido de prepará-la para que se reconecte com o mundo externo, que essa ponte seja refeita.”

Procurado, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) não comentou o programa de Santa Catarina. Institucionalmente, informa que um de seus papéis é fomentar a implementação de medidas protetivas e de projetos de capacitação profissional e reinserção social do interno e do egresso do sistema carcerário, uma vez que o trabalho tem o potencial de evitar a retroalimentação da criminalidade.

Em nota, a Senappen diz que tem reforçado a política de ampliação do acesso ao trabalho nas unidades prisionais em todo o País. Para 2024, estão previstos mais de 300 projetos laborais, com o objetivo de promover a qualificação profissional e a reinserção social de pessoas privadas de liberdade.

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Afirma também que destinará R$ 21 milhões para fortalecer os projetos de trabalho nos Estados, apoiando iniciativas que envolvam parcerias com o setor público e privado, como em Santa Catarina.

E destaca o Projeto Dignidade Menstrual, que além de gerar ocupação para mulheres privadas de liberdade, garante a distribuição de absorventes nas unidades prisionais femininas. Atualmente, 22 Estados já aderiram à iniciativa, e ações de capacitação vêm sendo realizadas para fortalecer o modelo.

Governo catarinense também estuda PPP no setor carcerário

Em outra frente para envolver a iniciativa privada na questão carcerária, o governo estadual está propondo um projeto de Parceria Público-Privada (PPP) para a construção e manutenção do Complexo Prisional de Blumenau, no interior do Estado. A estrutura atual, na área urbana da principal cidade do Vale do Itajaí, será desativada.

Estão previstos investimentos de R$ 210 milhões na construção de novos módulos para a criar 2.979 vagas a mais no sistema. O projeto prevê oficinas e dependências para atividades laborativas. O edital da concessão foi lançado no fim de fevereiro.

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