- Tem que assinar?, pergunta a senhora.- Por favor. Na linha pontilhada. Antes, peço a fineza de imprimir o nome em letra de forma logo debaixo.- Ah, obrigado. Eu já estava aflita com medo de que não chegasse a tempo.- Conosco é feito nosso slogan: "Peça agora para entrega na hora".- Muito obrigado.- Não tem de quê. Fechada a porta, a senhora à beira da aflição foi para o quarto, abriu o embrulho com a encomenda comprada online, tirou toda a roupa, deitou-se em seu leito e, com a seringa descartável anexa à compra, injetou-se em suas partes íntimas com o precioso líquido seminal. Depois, ligou o rádio, acendeu um cigarrinho (ela se prometeu ser o último) e, radiante, o rosto ardente muito vermelho, começou o longo período de espera: nove meses até - finalmente! - ser mãe. A cena acima descrita é imaginária, claro. Poderia no entanto ser verdade. Se é que já não é nos quatro (na verdade, aqui dizem que são cinco e meio) pontos do país. Why? Não estava eu, acima, fazendo literatura. Se eu quisesse, faria. Má, mas literatura. O que há é simples, ou melhor, é complicado, mas interessante. Vejamos. Pode-se comprar pela internet esperma fresquinha de uma companhia, a First4Fertility, a maior num mercado cada vez mais competitivo. Seus preços são mais que razoáveis, conforme anunciam ciberneticamente. Garantem ainda uma média de 33% de sucesso em suas entregas, ou seja, um terço das clientes engravidam bonitinhas, partindo assim para o proverbial padecer num paraíso de dor. A companhia em questão afirma ainda, em sua publicidade e ao ser entrevistada pela imprensa, que as amostras do precioso sêmen anônimo são entregues, estourando, num máximo de duas horas após sua produção. Quer dizer, é esperma fresquinho. Entendidos expressaram ceticismo quanto a essa afobação toda. Segundo eles, duas horas não é o tempo suficiente para um exame minucioso da amostra seminal para verificar a presença de HIV ou outras malevolências, tais como doenças sexuais transmissíveis. Acrescentam que, desta forma, as mulheres engravidadas pelo correio, via computador, correm algum, ou muito, perigo. Há muita firma sem licença entrando na jogada, se jogada é. Mesmo as devidamente licenciadas, feito a First4Fertility, correm agora o risco de serem processadas pelo órgão (por favor, não riam) do governo encarregado de vigiar as novas modalidades de reprodução. Em julho deste ano, entrou em vigor uma lei que cobre (parem com isso, gente!) a questão da fertilidade artificial informatizada. Um clima semelhante ao susto das primeiras experiências amorosas passa pelo mercado da reprodução sem sexo. Para se registrar na First4Fertility, custa aproximadamente uns US$ 170, seguidos de mais de US$ 600 como oferta introdutória (assim, eu não continuo, seus moleques!). As freguesas recebem o número que for necessário de doações dentro (olha, olha, olha!) de um período de 30 dias, embora a entrega do sêmen ainda inclua US$ 300 para as despesas de entrega rápida e eficiente, como na cena que botei (epa!) no início desta matéria. Em minha incansável pesquisa, não consegui descobrir se por acaso há homem pagando por esperma de homem entregue a domicílio. Pode parecer uma indagação improcedente, idiota mesmo, mas tenho suficiente intimidade com a Humanidade e seus caprichos para não descartar nenhuma opção de coisa alguma. Além do mais, estou no Reino Unido, onde ainda prolifera, em pontos cada vez mais raros, o culto da excentricidade. Não nos esqueçamos dessa peça (e que peça, filhotes!) vital ao que vimos expondo e que, dependendo do ponto de vista, pode mesmo ser considerado um verdadeiro herói. Qualquer camarada que encha um recipiente com seu mais precioso líquido merece nosso respeito e admiração. O boneca leva ainda cerca de US$ 100 pelo esforço, se esforço houve, dispendido. Na First4Fertility, há um banco de dados com os detalhes íntimos dos doadores. Além se suas características físicas, tais como altura e cor dos olhos (os azuis ou verdes são muito populares), constam ainda coisas importantes como nível de instrução e origem familiar. Entrevistado por um jornal, o Guardian, um doador, que preferiu quedar-se no anonimato, mas de cabelos mais negros que a asa da graúna e olhos verdes da cor do mar, comentou que era heterossexual, branco, solteiro, tendo ainda acrescentado: - Creio que eu seja um doador de primeiríssimo time, dada a minha saúde e vitalidade. Além do mais, nutro grande respeito pelas comunidades, não importa sua etnia, e pelos direitos humanos em todo o mundo. Gosto de teatro, literatura, filosofia e de me manter em forma. Meus dentes são perfeitos. Após o que, talvez de sunga, partiu para se alinhar junto aos outros candidatos a Mr. Doação 2007. Curioso ele não ter mencionado qualquer interesse pelo meio-ambiente, o aquecimento global e a alimentação orgânica. Feito disse o Boca Larga no finalzinho daquele filme: "Ninguém é perfeito." Às interessadas, ou interessados, afirmo que em duas horas não dá, mesmo que o Concorde ainda estivesse em funcionamento, para um jarrinho chegar ao Brasil. Forget it, pois. BBC Brasil - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito da BBC.