RIO - O sargento da PM Victor Aleixo da Costa e o cabo da Polícia Militar Eleonardo Silva foram mortos nesse domingo, 12 - o primeiro com um tiro na cabeça no Morro da Providência e o segundo ao reagir a uma abordagem de homens armados, em Barra Mansa, no sul fluminense.
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Agora já são 119 os policiais mortos no Rio neste ano e o Estado deve registrar mais de 5 mil tiroteios até o fim do ano. Até 31 de outubro, foram 4.410 confrontos armados, segundo o aplicativo Onde Tem Tiroteio (OTT), que registra em tempo real a ocorrência de confrontos armados, arrastões e assaltos. Só no mês passado, foram 450 episódios, 15 por dia – a média mensal é de 441 casos.
“É lamentável ver mais um policial virar estatística defendendo o Estado”, desabafou o tio de Aleixo, Nilton Marcos, na porta do Instituto Médico-Legal (IML). “Fica um lamento e o pedido ao governador que procure atentar para isso.”
Outros dois policiais foram feridos na mesma ação, além de um morador da favela da Providência, mas não correm risco de morte. A troca de tiros começou por volta das 6 horas, na troca de plantão dos policiais da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) da Providência.
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Segundo nota divulgada pelo comando da UPP, “os policiais realizavam deslocamento pela Rua do Monte, no centro, quando criminosos armados atacaram a guarnição (...). Houve confronto e três policiais e um quarto homem foram atingidos e socorridos para o Hospital Municipal Souza Aguiar, no Centro. Um sargento não resistiu aos ferimentos.” Ainda segundo a nota, o Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope) foi acionado para reforçar o efetivo da UPP.
O sargento Aleixo, que será enterrado nesta segunda-feira, 13, tinha 36 anos e estava havia 12 na corporação. Era recém-casado e deixa uma filha de 2 anos. A Polícia Civil vai investigar o crime. Ainda nesse domingo, agentes da Divisão de Homicídios fizeram diligências na região em busca de testemunhas e imagens de câmeras de segurança.
No mesmo dia, uma outra UPP também foi atacada por traficantes, na Cidade de Deus, na zona oeste. Segundo nota divulgada pela UPP, “houve confronto e os marginais fugiram”. Não havia registro de presos nem feridos nessa ação.
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A Cidade de Deus, aliás, ficou no topo do ranking de confrontos em outubro, com 34 tiroteios registrados. Em segundo, ficou Cordovil, na zona norte, com 20 casos. A Rocinha, na zona sul, também com UPP, aparece em terceiro, com 19 casos. O mês foi marcado na comunidade por confrontos entre facções e pela ocupação militar.
Arrastões. O aplicativo OTT também apontou que até 31 de outubro de 2017 aconteceram no Estado 355 arrastões, média mensal de 35,5 – pouco mais de um por dia. Foram 32 no mês passado.
A Secretaria de Segurança, porém, não reconhece os dados. “As estatísticas oficiais de criminalidade do Rio de Janeiro são provenientes dos registros de ocorrência lavrados nas delegacias de Polícia Civil do Estado e divulgadas mensalmente pelo Instituto de Segurança Pública (ISP), de forma sistemática e transparente.”
Metodologia. “Muita gente acaba sendo vítima de bala perdida justamente porque não tem informação sobre o que está acontecendo”, explica Henrique Camaño, de 50 anos, um dos administradores do app, criado no ano passado por quatro amigos. “Os meios de comunicação tradicionais não têm como passar esse tipo de informação o tempo todo; então resolvemos fazer isso.”
A ideia, garante, foi totalmente altruísta. Os quatro parceiros não ganham um centavo com a operação. “Nosso objetivo não é ter um milhão de curtidas, mas sim salvar um milhão de vidas”, afirma Camaño.
O aplicativo é alimentado por uma vasta rede de informantes. “Participamos de mais de 200 grupos em várias comunidades, também temos informações que vêm de grupos de motoristas de táxi e Uber, gente que circula”, afirma. Quando uma informação sobre um tiroteio chega, ela é checada diretamente com moradores da região e, só então, vai para o ar.
Para Paulo Storani, ex-capitão do Bope e mestre em Antropologia Social pela Universidade Federal Fluminense (UFF), o uso da tecnologia para driblar a violência urbana é “natural”. Mas, segundo ele, o aplicativo pode trazer uma visão exagerada da falta de segurança.
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“Em razão do nosso mundo tecnológico, é natural termos ferramentas que nos dão o tempo real da coisa, nos mostram os melhores caminhos”, diz ele. “Mas isso pode dar uma falsa impressão de que há um grande aumento na violência, o que não é verdade: é a informação que circula mais.”
Storani avalia que o acesso aos dados tem aspectos positivos e negativos. “Se as pessoas ficarem com medo de sair de casa, de circular, isso é ruim”, pondera. “Mas se for para escolher rotas, caminhos mais seguros, é positivo.” O coronel reformado Ibis Silva Pereira, ex-comandante da Polícia Militar, concorda com o colega. “Qualquer forma de comunicação que torne a vida das pessoas mais segura é bem-vinda.”
'Ao sair, é bom saber onde a confusão está'
Em uma cidade violenta como o Rio, o uso da tecnologia como proteção se dissemina por todas as classes sociais. Virou hábito, por exemplo, para o engenheiro belga Jean-Louis Beeckmans, de 34 anos, morador de Ipanema, e para A., de 45 anos, que vive na Rocinha. Eles não se conhecem, mas usaram a internet para driblar a explosão de crimes que tem marcado 2017 no Estado em crise.
Beeckmans recorreu ao aplicativo Onde Tem Tiroteio (OTT) quando seus pais foram visitá-lo no Rio. Preocupava-se com a segurança deles na cidade desconhecida e marcada pelo crime. Queria advertir sobre quais locais evitar para voltarem ilesos para a Europa. “Eu tenho cara de gringo, mas a deles grita: ‘Somos gringos!’”, conta Beeckmans. “Eu não queria que nada de ruim acontecesse com eles, apenas que aproveitassem as belezas da cidade.”
O belga – que já foi assaltado duas vezes no Rio e teve até arma apontada para a cabeça – também costuma avisar à namorada, a brasileira Isabela Vieira da Cunha, de 32 anos, dos incidentes violentos que vê no aplicativo. Mas reconhece que ela “não gosta muito” desse hábito.
“Ele fica monitorando e me comunica quando está tendo algum tiroteio nos lugares onde estou”, conta a publicitária. “A violência é um problema enorme, claro, mas não acredito que a melhor forma de lidar com ela seja acompanhando todo tipo de notícia, deixando de fazer as coisas, deixando de sair de casa. O medo não pode nos paralisar”, ressaltou.
Rocinha. Também A. incorporou a seu cotidiano o aplicativo, além de outras fontes de informação sobre segurança disponíveis na internet. Ela se preocupa com os caminhos mais seguros para as duas filhas adolescentes saírem da casa, no alto da Rocinha. A comunidade registra há mais de um mês confrontos entre bandos rivais de traficantes. “Não posso deixar de sair de casa, mas é bom ter uma noção de onde a confusão está acontecendo para saber por onde descer”, conta A. “Uso o app e as páginas da própria comunidade, onde sempre tem muita informação.”/ COLABOROU FÁBIO GRELLET E AGÊNCIA BRASIL