Especialistas reunidos nesta quarta-feira, 18, no Summit Mobilidade Urbana 2022 debateram avanços para que o transporte público se torne mais atrativo para o consumidor brasileiro, independente de classe. Com a tecnologia avançando e o desenvolvimento de aplicativos, o consumidor passou a buscar diferentes modais para o deslocamento.
Para Francisco Christovam, presidente da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos, a superlotação nos horários de pico é algo que não vai deixar de acontecer, mas a mentalidade das empresas precisa se adequar às necessidades do País. É preciso enxergar a pessoa que utiliza o transporte público como cliente e a maioria dos problemas desse ecossistema existem porque por muito tempo esse cliente foi visto apenas como um simples usuário, alguém que não tinha possibilidades.
“Ele não tinha outra opção. Hoje as pessoas têm muitas opções, de aplicativos de carona, enfim. Todos nós temos obrigação de nos deslocarmos, para estudo, trabalho, mas esse deslocamento não precisa ser penoso, ele precisa ter opções lógicas. Nós temos um passageiro que precisa ser tratado como cliente, a mentalidade precisa levar em conta essa mudança, em termos de qualidade, para que ele possa fazer esse deslocamento da melhor maneira possível”, explica o especialista.
Pedro Soma, CSO da Maas Global, abriu mão do transporte individual há algum tempo e tem achado completamente possível e confortável usar o transporte público no centro de São Paulo, embora defenda que não é uma realidade para todos ainda. “Eu mesmo abri mão de usar o carro há bastante tempo. Ando muito de metrô e não passo dificuldades com isso. Acho mais confortável, leio muito no metrô, não preciso focar no trânsito. Em segundos me informo no aplicativo sobre qual ônibus eu devo pegar para chegar em um local. O mundo mudou, tudo está à nossa disposição.”
Para ele, a ideia de posse de um carro próprio precisa ser questionada. “A Maas foi fundada com a intenção de retirar 1 milhão de carros das ruas até 2030. Na prática queremos garantir a integração entre meios de transporte disponíveis, através da tecnologia, mostrando que o carro não é necessário no nosso dia a dia”, disse.
Pedro Palhares, gerente geral da Moovit, também acredita que o transporte público precisa ser visto como um serviço para clientes exigentes e, na sua opinião, isso só irá acontecer quando o poder público se debruçar sobre o problema e ajustar demandas. “Temos a mesma coisa de cem anos atrás, desde o itinerário, ponto de partida e de chegada fixos, tarifa fixa. os apps oferecem justamente a flexibilidade que a demanda exige. É importante ter opções. Isso vai acontecer com o transporte público ouvindo qual é a demanda desse cliente.”
Para Thiago Piovesan, CEO da Indigo, é preciso pontuar que as cidades precisam estar conectadas e inteligentes, para não atrasar a mobilidade, mas completá-la. “O planejamento do trajeto é importante, para que o cliente tenha uma boa experiência. temos inúmeras opções de transporte agora e essa logística vai acontecer também precisa incluir o estacionamento, por exemplo, que tem um papel importante nesse movimento, para facilitar o acesso aos diferentes meios de mobilidade, possibilitando uma cidade tranquila em movimento”, defende.
Francisco concorda e acredita que a integração entre cidade e meios de transporte é uma missão de todos, um comprometimento social. Para ele, os players precisam estar envolvidos e comprometidos com a qualidade dos serviços prestados e as prefeituras contratantes devem exigir um padrão de qualidade. “Temos cidades com órgãos de gestão bem estruturados, outras que não tem tanta demanda, mas temos que entender como esse órgão gestor está pensando no avanço, em segundo, temos as empresas que precisam cumprir com o acordo selado com as prefeituras e com a população, para que tudo dê certo. É um compromisso de todos.”
Para Somma, é importante que o poder público se abra para as tecnologias. “Hoje, por exemplo, todos os dados das frotas de ônibus são abertos pela prefeitura de São Paulo. Então você consegue acompanhar a maior parte das informações em tempo real, o que facilita para quem desenvolve as tecnologias e também para o usuário. Já Salvador é uma cidade onde a prefeitura não disponibiliza, o que dificulta a nossa atuação.”
Outro ponto importante que muda quando o passageiro é visto como cliente é a possibilidade da tomada de decisões, o que beneficia também pessoas com necessidades específicas, como as pessoas com deficiência. Pedro Palhares ressaltou a importância dessas pessoas na tomada de decisões, a partir do momento que o player não atende a demanda da pessoa com deficiência e dificulta o seu acesso ao transporte público, se essa pessoa com deficiência puder, ela vai escolher outro meio de transporte.
“O que a Moovit faz é justamente empoderar as pessoas com informações. Se a calçada não é adequada, ou a estação de metrô não tiver um elevador e essa demanda existe, a pessoa vai estar ciente das condições de infraestrutura e vai poder escolher uma estratégia de deslocamento mais adequada”, afirma o gerente da Moovit.
Os desafios na entrega de mercadorias no pós-pandemia
Para Márcio Hannas, presidente da CCR, Jamyl Jarrus Junior, Diretor de Vendas e Marketing da Movida e Rodrigo Mourad, presidente e cofundador da Cobli, o momento que estamos vivendo é um dos melhores para o e-commerce e a discussão girou em torno de como as entregas de compras feitas pela internet continuam em crescimento, mesmo com o afrouxamento das medidas de distanciamento social. Com a reabertura das lojas físicas, a hipótese de que as entregas iam cair surgiu, mas logo caiu por terra: uma boa entrega, um bom e-commerce continuam sendo o diferencial para sustentar esses canais de compra.
“A pandemia levou o varejista a transformar o seu olhar para a venda pelo e-commerce e melhorar suas entregas, eles precisaram de hubs que se adequassem e oferecessem linearidade, previsse sinistros, oferecendo o que o cliente precisa. Percebemos a necessidade de atender as empresas nesse sentido e foi assim que a movida nasceu. No início enfrentamos dificuldades. Cheguei a receber encomendas através de carros que tinham 10, 15 anos rodando. Muitos sinistros estavam acontecendo e o setor foi se adaptando rapidamente. Hoje temos carros para atender as diferentes necessidades e produtos dos nossos clientes”, conta Jamyl.
Rodrigo Mourad concorda e conta que o desenvolvimento rápido de tecnologias capazes de suprir a demanda foi essencial para manter esses consumidores no e-commerce. “Nossa preocupação é muito voltada para a qualidade dos nossos serviços, aplicar boas tecnologias é a chave para trazer eficiência para a cadeia como um todo, até porque ela precisa ser sustentável. Estamos fazendo ajustes que o momento pede, até pela densidade de rota, que é grande e o consumidor não pode ser prejudicado.”
A integração entre diferentes players do setor de mobilidade também foi um método utilizado para otimizar as entregas, como explicou Márcio, exemplificando com os ajustes feitos pela CCR, para que os entregadores conseguissem utilizar o metrô e reduzir o tempo pedalando, por exemplo, no caso de quem utiliza a bicicleta.
“Criamos uma estação só para os entregadores. É um ponto de apoio. Eles têm espaço para guardar objetos pessoais, recarregar celulares, uma copa para que possam se alimentar, banheiro, local adequado para colocar as bicicletas. É importante que eles tenham uma estrutura minimamente adequada para prestar esses serviços, queremos expandir isso para outras estações e contribuir com essa categoria, que faz e fez um serviço num momento tão importante, quando tudo que compramos precisou ser entregue nas nossas casas.”
Para Rodrigo Mourad, o País precisa se adequar em condições tecnológicas para atender mais pessoas. Para ele, é preciso investir em tecnologia. Apesar do número de vendas ter aumentado muito durante a pandemia, os especialistas já viam como uma demanda em crescimento. “Ia acontecer de qualquer maneira, é uma tendência global. Se a qualidade do serviço é boa, as pessoas vão consumir cada vez mais do e-commerce, mesmo com as lojas abertas. A otimização do tempo, a praticidade leva a isso,”
Márcio enxerga o diálogo com o poder público como fundamental para o setor continuar crescendo. “O nosso setor (metrô) é muito regulado. Precisamos cumprir regras e hoje transportamos quase três milhões de pessoas por dia. E sentimos falta do setor público na conjugação entre o planejamento do transporte urbano, com o planejamento do desenvolvimento das cidades”, explica o especialista.
“Quando temos essa união, perto ou em cima das estações conseguimos colocar serviços ou atividades que congregam um número grande pessoas, hospitais, shoppings. Esses locais de maior concentração de pessoas tem que estar próximo ao sistema de trilhos, para melhorar a mobilidade na cidade.”
São José dos Campos é uma das cidades mais inteligentes do mundo em transporte público
Algumas cidades já estão caminhando na direção de um transporte público mais adequado para a população, é o caso de São José dos Campos, que foi certificada como uma cidade inteligente pela ABNT. O certificado leva em consideração três pontos: a cidade precisa ser resiliente, sustentável e compatível com a demanda da população. São José dos Campos é a única do Brasil e uma das 79 cidades do mundo com essa certificação.
“Isso se deu pela quantidade de incentivos aos empreendedores, como o parquetecnológico que abriga empresas do ramo de tecnologia, como startups”, explica o prefeito da cidade, Anderson Farias.
Atualmente, a cidade conta com uma estrutura de mil câmeras para reconhecimento facial, leitura de placas, alertas e interligação dos semáforos, monitoramento para a segurança e facilitações para os agentes de trânsito.
A estrutura também integra 295 pontos de Wi-Fi para a população e 290 portais tecnológicos, que fazem 3 milhões de leituras de placas diariamente. Esse sistema é interligado com o sistema da polícia e o Centro de Operações Integradas.
Essa estrutura começou a ser integrada à cidade em 2017 e a prefeitura garante que reduziu o número de homicídios, furtos e roubo de veículos, além dos números de roubos e furtos em geral.
Agora, a prefeitura está investindo na eletrificação dos veículos públicos. Segundo Anderson, toda a frota da guarda civil municipal de São José dos Campos é formada por carros elétricos, única cidade do ocidente com essa realidade.
“Temos uma economia de R$850 mil ao ano, 3.330 árvores por ano. O impacto que inicialmente foi pensado para os combustíveis, a curto prazo, também teve impacto direto na questão ambiental”, conta o prefeito.
Com o bom retorno, o próximo passo é levar os veículos elétricos para outros setores de atendimento ao público. “Uma linha verde está sendo implementada na cidade. Com 12 Veículos Leves sobre Trilho (VLT) elétricos, com capacidade para 168 passageiros, em breve teremos uma frota 100% elétrica no nosso transporte público.”
Carros elétricos prometem economia financeira e ajudam a reduzir emissão de carbono
São José dos Campos não é a única pensando na adequação e se posicionando contra o consumo de combustíveis fósseis. Iniciativas privadas também buscam a eletricidade na locomoção e a inspiração é a China.
Thiago Hipólito, diretor de Driver Lab da 99 assumiu o compromisso de aumentar a frota de veículos elétricos nas ruas em São Paulo e, numa conversa com Hamish Jacobs, diretor de sustentabilidade da Didi Chuxing, o tema foi sobre o que é preciso para viabilizar a utilização desses veículos em massa.
Para Thiago, três grandes objetivos são pensados pela 99 hoje: primeiro ser atrativa para mais motoristas, segundo ter um conforto para esse motorista, terceiro, aliar a empresa a práticas sustentáveis. “Nesse contexto, quando pensamos na aceleração do carro elétrico, pensamos em quais possibilidades podemos dar para os motoristas por aplicativo, para avançar na utilização do carro elétrico”.
Hamish acredita que a preocupação de Thiago é completamente compreensível. “Todas as pessoas que trabalham nesse ramo se preocupam com a velocidade em que as medidas tecnológicas são adotadas e as soluções conseguem penetrar a sociedade”, afirma.
“O carro elétrico, a longo prazo, passa a ser mais barato para o motorista e agora, com a alta nos combustíveis chega a ser 50% mais barato por quilômetro rodado. O preço inclui capital no bolso do motorista e capital humano a longo prazo.”
O ponto mais difícil é o preço inicial do carro elétrico para o consumidor médio. Segundo Thiago, é preciso uma junção de forças, principalmente para aumentar o número de carregadores, para que a infraestrutura necessária para um alto número de carros elétricos circulando não saia só do bolso dos motoristas.
”Queremos resolver a problemática. São cerca de 1500 carregadores no Brasil. Precisamos pensar em como quebrar o início da operação. Pensamos muito nas prioridades: entre a infraestrutura para o carro elétrico e a demanda de carro elétrico para justificar o investimento em estrutura, qual a prioridade? Sinto que estou pensando no que vem primeiro o ovo ou a galinha? Queremos garantir que isso evolua em paralelo, ganhando escala em demanda de carros elétricos e, ao mesmo tempo, evoluir em estrutura”, afirma o diretor.
“As vendas em carros elétricos vêm crescendo no Brasil desde 2016. Nos últimos dez anos, os custos em gasolina cresceram 140% e precisamos ajustar isso para ser saudável para o motorista por aplicativo. Comparado com um carro padrão, a redução do elétrico chega a 80% financeiramente, embora essa economia chegue no médio a longo prazo. A curto prazo, queremos ter 300 carros ainda em 2022, rodando pela 99. Até 2025 a meta é 10 mil carros na nossa plataforma e 10 mil pontos com infraestrutura de carregamento, em todo o Brasil.
A ideia da 99 é começar na cidade de São Paulo, como piloto para essa frota pequena de 300 veículos elétricos. A partir daí, uma nova avaliação da demanda será feita e com os resultados o aplicativo pretende facilitar a compra ou aluguel desses carros para os motoristas por aplicativo.
Quando perguntado sobre como a China conseguiu convencer a sua população a aderir ao veículo elétrico, Hamish afirmou que a população só adere à causa com incentivo público.
“No mundo o mercado elétrico já tem avançado muito, principalmente China, Europa e Califórnia. A China já domina esse cenário há dez anos, com muito investimento. Já são um milhão de carros, o que representa 38% dos quilômetros rodados. São 18 mil unidades de carregamento, 13 mil delas são particulares. Isso não aconteceu do dia para a noite, foi muito planejado”, afirma o norte-americano.
“O carro elétrico tem um preço inicial muito caro, e a estrutura necessária para carregamento leva as pessoas pensarem em não comprá-lo. Mas a tecnologia precisa de incentivo. Precisamos implementar infraestrutura para todo o setor. Foram bilhões de dólares investidos na fabricação desses carros. Muito dinheiro investido em infraestrutura, isenção de impostos para a população, estratégias para que ele fosse mais fácil de ser adquirido."
Segundo o especialista, o governo brasileiro precisa estar atento e o País precisa se adequar aos compromissos firmados na COP 26. No mundo, as emissões de gás carbônico são geradas em 38% das vezes, por carros, no Brasil esse número é maior: 48%. o governo precisa estar atento a isso. Nada irá acontecer sem que o governo conscientize a população e invista em campanhas para zerar a emissão de carbono.
“É importante debater, entender as vantagens, para que as pessoas se interessem. Precisamos de ações concretas e práticas também. Tirar as coisas do papel, para atrair pessoas, órgãos públicos, unir esforços para chegar lá”, concorda Thiago.