STF julga criminalização da homofobia e medicamentos de alto custo nesta semana

Pautas polêmicas serão desengavetadas e discutidas por ministros do Supremo; sociedade civil se organiza para pressionar decisão

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Por Juliana Diógenes
6 min de leitura
Protesto no Palácio do Planalto. Atualmente, não existe na legislação brasileira crime de homofobia Foto: Marcello Casal Jr. / Agência Brasil

O Supremo Tribunal Federal (STF) retoma nesta semana o julgamento de processos sobre dois temas polêmicos: o dever do Estado de fornecer medicamentos de alto custo e a criminalização da homofobia

O debate sobre a obrigatoriedade do poder público em fornecer medicamentos de alto custo - mesmo os que não estão disponíveis na lista do Sistema Único de Saúde (SUS) - está previsto para a manhã desta quarta-feira, 22. A discussão está parada no Supremo desde setembro de 2016. 

Já o julgamento que vai discutir se a homofobia é crime será retomado na tarde desta quinta-feira, 23. Após sete anos parada, além de dois adiamentos, a discussão foi reiniciada em fevereiro deste ano.

Homofobia

Após quatro votos favoráveis, o Supremo deve formar maioria para enquadrar a discriminação contra a população LGBT como uma forma de racismo. O julgamento já se estendeu por quatro sessões do tribunal e foi interrompido em 21 de fevereiro, devendo ser concluído até junho.

Os ministros Luís Roberto Barroso, Alexandre de Moraes e Edson Fachin acompanharam o entendimento do decano do STF, ministro Celso de Mello, relator de uma das ações que apontam omissão do Congresso Nacional no enfrentamento do problema. 

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Após a última sessão, em 21 de fevereiro, o ministro Luís Roberto Barroso chegou a dizer para jornalistas que "se delineia uma maioria" no julgamento e saiu em defesa da criminalização. "Um dos papéis de uma Suprema Corte é proteger e afirmar os direitos das minorias, que não podem depender do processo político majoritário", disse Barroso.

Segundo o Estado apurou, pelo menos mais dois ministros devem acompanhar o entendimento do decano. Um outro integrante da Corte ouvido reservadamente tem dúvidas se concorda com a conclusão de Celso de Mello por acreditar que a equiparação pode gerar amplas interpretações e eventualmente dar margem a excessos. 

Ministro Celso de Mello é relator de uma das ações Foto: ANDRÉ DUSEK/ESTADÃO

A homofobia não é um crime tipificado na legislação penal brasileira. As ações visam a criminalizar a homofobia em casos de ofensas, agressões e qualquer discriminação causada por orientação sexual do indivíduo. 

Os proponentes das ações pedem que o Supremo declare o Congresso Nacional omisso por não ter votado até hoje um projeto de lei que criminaliza a homofobia e que dê um prazo final para que os parlamentares aprovem uma legislação criminal para punir especificamente violência física, discursos de ódio e homicídios por causa da orientação sexual ou identidade de gênero da vítima. 

Como a homofobia não é criminalizada, hoje, em casos de agressão verbal ou física a um homossexual, a ocorrência é registrada como ofensa moral (injúria, por exemplo), lesão corporal, tentativa de homicídio, entre outros. 

Medicamentos de alto custo

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Além da obrigação do Estado no fornecimento de medicamentos tidos como de alto custo e não registrado na Anvisa, o STF também vai julgar processos que tratam da responsabilidade solidária dos entes federados na prestação dos serviços de saúde.

Para pressionar o STF, familiares de pacientes com doenças raras ou necessidades específicas que precisam dos medicamentos organizaram um abaixo-assinado online em defesa da obrigatoriedade do governo federal no fornecimento. 

Foto de uma caixa do remédio Spinraza, da Biogen Foto: reprodução

Os criadores do abaixo-assinado fazem parte do Movimento Minha Vida Não Tem Preço. Formadopor mais de 50 associações e grupos de pacientes de todo o País, o grupo representa várias patologias, entre doenças raras e graves. 

As ações e mobilizações do movimento reivindicam o comprometimento do Estado na criação de políticas públicas que assistam esses pacientes, bem como a entrega dos medicamentos já inseridos em protocolos do Sistema Público de Saúde e dos tratamentos garantidos aos pacientes por determinações judiciais.

Por outro lado, o fornecimento de itens desse tipo tem alto impacto no orçamento do sistema de saúde público. Em fevereiro, o Ministério da Saúde anunciou vai adotar um novo modelo para aquisição de medicamentos que serão incorporados ao Sistema Único de Saúde (SUS).

A proposta é fazer o compartilhamento de riscos com os laboratórios, de modo que o pagamento pelos medicamentos de alto custo seja feito mediante o progresso no tratamento do paciente. 

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"Recorrer ao Sistema Judiciário para lutar pelo direito a um tratamento que faz a diferença entre a vida e a morte não é o melhor caminho para pessoas que sofrem diariamente com limitações físicas, dores, rotinas intensas com diversas terapias. Enfrentar burocracia e etapas de um processo judicial só aumenta o sofrimento. Mas, infelizmente, buscar a Justiça, muitas vezes, é a única opção", defende em nota o Movimento.

O que está em jogo na criminalização da homofobia:

Quem moveu as ações? São duas ações. Uma foi movida pelo Partido Popular Socialista (PPS) e a outra, pela Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos (ABGLT).  

O que querem o partido e a entidade? Os proponentes das ações pedem que o Supremo declare o Congresso Nacional omisso por não ter votado até hoje um projeto de lei que criminaliza a homofobia. É solicitado ainda que a Corte dê um prazo final para que os parlamentares aprovem uma legislação criminal para punir especificamente violência física, discursos de ódio e homicídios por causa da orientação sexual ou identidade de gênero da vítima. 

Homofobia não é crime no Brasil? Não. Quando há uma ocorrência envolvendo agressão contra homossexuais, o caso é tratado como lesão corporal, ofensa moral (injúria, calúnia ou difamação) ou tentativa de homicídio. As ações pedem que o STF reconheça o conceito de "raça social" para punir agressores dentro da lei antirracismo (7.716/89).

O que diz a lei antirracismo? A lei antirracismo, de 1989, prevê que crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, religião, etnia ou procedência nacional sejam punidos com um a cinco anos de prisão. Também estão previstas penas alternativas, fora do sistema penal.

Qual é a relação entre homofobia e racismo? Segundo Paulo Iotti, advogado e proponente das ações, há um entendimento do próprio Supremo de que racismo é qualquer ideologia que inferiorize um grupo social em relação a outro. A homofobia seria considerada, portanto, um tipo de racismo sob os aspectos políticos e sociais de raça, e não biológico. O crime de discriminação por raça, previsto na lei antirracismo, iria abranger tamém os de orientação sexual e identidade de gênero.

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O que muda na legislação? Não haverá alteração no texto da legislação penal brasileira. Se o STF reconhecer essa relação, o efeito é vinculante, ou seja, a Corte entende que há uma lacuna na Constituição no que diz respeito às vítimas de homofobia. Reconhecendo essa omissão no julgamento desta semana, na prática, o entendimento do Supremo passa a nortear as decisões de magistrados de todo o País, que passarão a interpretar homofobia como crime de discriminação por raça.

Os homofóbicos vão ser presos? Caso a homofobia seja considerada crime de discriminação por orientação sexual pelo STF nesta semana, as mesmas penalidades da lei antirracismo seriam aplicadas para homofobia e transfobia. Portanto,agressor pode ser preso com pena de reclusão de um a cinco anos, mas também poderá cumprir a pena com multa ou prestação de serviço à comunidade. O argumento dos proponentes da ação é de que, como a lei prevê cumprimento da penalidade alternativa, o sistema carcerário não seria sobrecarregado. 

E se o STF rejeitar o entendimento de que homofobia é crime? As ações pedem que o STF determine a competência do Congresso Nacional para decidir. Nesse caso, a Corte determina um prazo para que a Câmara e o Senado criem um projeto de lei para criminalizar a homofobia.

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