Trânsito lento cria 'universo paralelo' em São Paulo

Congestionamentos se tornaram parte da cultura e da vida da cidade, gerando de romances a negócios rentáveis.

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Por Paulo Cabral
3 min de leitura

O fim da tarde de sexta-feira é o terror dos motoristas de São Paulo. É quando as ruas e avenidas ficam mais congestionadas - o que não significa pouco numa cidade que em junho deste ano registrou um recorde de 295 quilômetros de vias paradas (em uma sexta-feira). O brilho dos faróis e as luzes de freio - piscando no ritmo do anda e para do trânsito - vão até onde o olho alcança. "É como um mar. Um mar de carros", compara Fabiana Crespo, enquanto lentamente navega seu veículo na direção do lar, na companhia do filho Rodrigo, de 10 meses. "Eu morava na Zona Sul, onde mora toda minha família, mas trabalhava na Zona Norte. Para não ter que ficar cruzando a cidade, decidi me mudar", conta. "Mas, depois que meu primeiro filho nasceu (Pedro, de 3 anos), decidi ir trabalhar nos negócios da família e tive de começar a cruzar de novo a cidade." Não são raros em São Paulo os casos de gente que, como Fabiana, demora mais de duas horas para ir ao trabalho ou voltar dele. Congestionamentos são um problema em grandes metrópoles do mundo inteiro, mas em São Paulo se tornaram parte integral da cultura e da vida da cidade. "Nós nos tornamos escravos do trânsito e temos que planejar a vida em torno dele", reclama Fabiana. Quando ela chega em casa, não tem como não lembrar da grande ironia de sua relação com o trânsito de São Paulo: foi num congestionamento que ela conheceu, sete anos atrás, Maurício, que viria ser seu marido. "Eu estava num carro com uma amiga e ele estava em outro com um amigo. Aí, no anda e para do trânsito, começou a rolar aquela paquera até que ele me convenceu a parar num posto de gasolina para pegar meu telefone", conta. O casal saiu, se formou, e, hoje, roda com dois filhinhos pelo trânsito da cidade. Histórias românticas assim podem ser raras, mas gente feliz com o trânsito, nem tanto. De vendedores ambulantes a donos de helicópteros, uma pujante atividade econômica que sobrevive em torno do trânsito. O dono de Helimarte Taxi Aereo, Jorge Bitar Neto, diz que seu negócio vêm crescendo em ritmo inverso à velocidade média dos carros nas ruas de São Paulo. "Para os nossos negócios, quanto pior o trânsito, melhor. A empresa vem crescendo num ritmo de 10% ao ano", diz. A combinação trânsito lento e criminalidade alta transformaram a cidade em terreno fértil para o setor que transporta não apenas os grandes multimilionários mas também executivos como o consultor jurídico Sergio Alcebiades, que usa o serviço algumas vezes por mês para fazer o dia render mais em São Paulo. "Com um helicóptero, consigo fazer várias reuniões num dia em vez de ficar perdendo tempo preso no trânsito", comenta. "Uso o helicóptero como uma ferramenta para ganhar dinheiro." Mas, embora haja quem ganhe dinheiro com trânsito, o impacto econômico dos congestionamentos é, de modo geral, negativo - embora especialistas digam que não há uma estimativa confiável quantificando o prejuízo. "É um número muito difícil de ser calculado, mas é evidente que essa dificuldade de circulação aumenta o custo de todas as atividades na cidade", diz o engenheiro de transportes da Escola Politécnica da USP, Claudio Barbieri. A dificuldade na entrega de mercadorias é a face mais evidentes destes prejuízos. "Se com um caminhão o distribuidor consegue fazer apenas dez entregas em vez 20 ou 30, ele vai precisar de mais caminhões, e o custo aumenta." Barbieri diz que, mesmo no cenário mais otimista, a cidade de São Paulo nunca vai ficar sem trânsito. "Acabar com os congestionamentos é algo impossível nas grandes cidades do mundo porque, quando o tráfego flui muito bem, as pessoas são atraídas para seus carros e tudo para de novo." Por isso , Barbieri diz que a única solução o é transporte público de qualidade e sobretudo, rápido. "A questão é encontrar um equilíbrio, em que as pessoas percebam que vale mais a pena deixar o carro parado e usar o transporte público." * Colaborou Jessica Fiorelli, da BBC Brasil em São Paulo BBC Brasil - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito da BBC.

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