Uma companhia à espera de nova sagração

É hora de descobrir o que poderá brotar do aprendizado com a mestra e o que é necessário para que seu legado permaneça

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Por Crítica Helena Katz
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Há algo de inexorável nas duas obras que o Tanztheater Wuppertal, a companhia que Pina Bausch (1940-2009) transformou em referência, dança na sua temporada paulistana, que estreou segunda-feira, continua hoje e se encerra sábado, no Teatro Alfa, com ingressos já esgotados. Muito já se escreveu sobre Café Muller (1978) e Sagração da Primavera (1975) nestes últimos 30 e poucos anos, mas agora, quando Pina não existe mais, parece que elas se reconfiguram em outro eixo. As diferentes formas com que apresentam a violência se tornam metáforas para o presente da companhia.A última cena da Sagração da Primavera, com todo o elenco olhando para a eleita, até que ela caia ao chão, exaurida pelas convulsões que dissolvem seu corpo em uma sucessão de espasmos, se transforma em uma imagem poderosa. Nos diz que, no momento, estão todos ainda imobilizados pelo súbito desaparecimento daquela que dava forma ao que criavam. Nos diz que ainda não conseguem intervir no que se anuncia, isto é, no futuro sem Pina Bausch.Alinhando esse final ao de Café Muller, conclui-se que o presente é escuro, mas nele resta um par de sapatos vermelhos. O futuro deve ser feito de rastros. E é preciso abrir espaço, afastando as cadeiras e mesas, para que a dança (ou será a vida?) possa acontecer. O ambiente respira aquela desolação estranha que surge nos lugares movimentados e populosos, depois de abandonados pelos seus usuários. Trevas por todos os cantos, até mesmo nos olhos cerrados das duas bailarinas que funcionam em dupla, em tempo defasado. Helena Pikon, que faz o papel que era de Pina, promove instantes mágicos de ilusão com a sua semelhança física.Café Muller nasceu de uma proposta que Rolf Borzik, cenógrafo e companheiro de Pina, morto em 1980, encaminhou a quatro coreógrafos: Gerhard Bohner, Gigi Caciuleanu, Pina e Hans Pop, seu assistente, na época. Cada um partiria de uma cenografia sua e, em duas semanas, entregaria o resultado. Os quatro trabalhos se chamariam Café Müller. O de Pina era o último da noite, e o único que tinha a cena coberta de mesas e cadeiras escuras.A estreia ocorreu em 20 de maio de 1978, e Pina vinha de um período intenso de criações. Produzira três obras em 11 meses: Vem Dançar Comigo (maio de 1977), Renata Emigra (dezembro de 1977), e Ele Leva-a pela Mão para o Castelo, os Outros os Seguem (abril de 1978). Depois de assistir ao seu Café Muller, Federico Fellini disse que Pina havia realizado o Oito e Meio dela.A tristeza que emana do palco fica ainda mais aguda nos dois agradecimentos que os bailarinos fazem, ao final de cada uma das duas coreografias apresentadas. Talvez não devêssemos aplaudir, e sim, atirar no palco flores brancas - daquelas que Pina gostava. Mas é justamente esse desconhecimento sobre o que é necessário fazer para que sua obra continue iluminando outras gerações de forma viva e transformadora que fica no proscênio quando a companhia o abandona. Que este momento é o de um encerramento, parece não haver dúvida. Foi com isso, que acaba aqui, que muitos de nós entendemos a relevância do lidar com a alteridade. Esse vento chamado Pina Bausch mudou a paisagem do mundo com uma dança que demonstrava que as histórias individuais são sempre compartilhadas. Seu jeito de juntar sujeito e mundo funciona como uma proposta central para um melhor entendimento sobre modos de viver em tempos de globalização.A brutalidade do estancamento da sua sabedoria nos deixa órfãos de uma leitura de mundo que nos devastava e, ao mesmo tempo, nos fortalecia. Precisaremos agora aprender a viver com essa tristeza para, mais adiante, descobrir o que poderá dela brotar. Devemos permanecer nesse estado de espera para, quem sabe, podermos vir a sagrar uma próxima primavera com a sua companhia. ServiçoPina Bausch. Teatro Alfa (1.110 lug.). Rua Bento B. de Andrade Filho, 722, 5693-4000. 6ª, 21h30; sáb., 21 h. R$ 40/R$ 200 (esgotados). Até 26/9

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