Como jogadores com dados viciados, os líderes do Irã fizeram um jogo duplo de engano com países ocidentais desde que a existência de instalações nucleares suspeitas ficou exposta. Agora parece que o regime iraniano foi apanhado com a mão na massa e sem trunfos, com a revelação forçada de que está construindo, se não já operando, uma segunda usina secreta de enriquecimento de urânio.A revelação provocará um rugido triunfal de "eu não disse?!" da parte dos neoconservadores da era de George W. Bush nos Estados Unidos aos falcões de extrema direita de Israel. Mas a briga de quem estava certo ou errado sobre o Irã não é muito importante agora. As revelações de ontem têm implicações significativas para mudanças imediatas de política para os que precisam lidar com alegações cada vez mais críveis de que o Irã pretende produzir armas nucleares.A Grã-Bretanha já mudou de rumo. Pode-se esperar que França e Alemanha também endureçam suas posições agora. Isso significa a perspectiva de medidas efetivas para reduzir o comércio e as transações financeiras do setor privado com Teerã, além de sanções em nível de governo e da União Europeia. Depois do último surto de negação do Holocausto do presidente Mahmoud Ahmadinejad, a chanceler alemã, Angela Merkel, não se mostrou nada disposta a moderar o tom.A recente disposição da Rússia de estudar as sanções "bem mais duras" pedidas pelo premiê britânico, Gordon Brown, na ONU, esta semana, está seguramente associada a essa confirmação de má-fé iraniana. Mas também tem uma evidente dimensão bilateral em termos das relações de Moscou com os Estados Unidos.Todos os que estavam rejeitando Barack Obama, na semana passada, como um peso leve em política externa podem agora refletir à vontade sobre como ele conseguiu dois importantes objetivos em quase o mesmo número de dias: a Rússia está de volta ao mesmo lado, pelo menos por enquanto, graças a sua decisão de reformar a defesa antimísseis europeia. E a China está isolada no Conselho de Segurança na oposição a novas sanções contra o Irã.A revelação de ontem e a conclusão concomitante de que os líderes iranianos são mentirosos congênitos, vão instigar ainda mais o debate entre vizinhos regionais, em particular Arábia Saudita, Turquia e Egito, sobre a própria aquisição de capacidade nuclear. Assim, a temida corrida armamentista nuclear no Oriente Médio está mais perto. O fato de que o Irã foi desmascarado desta vez dificilmente fará muita diferença para o cálculo estratégico de defesa de seus vizinhos; tampouco o fato de que Obama e Brown estão promovendo uma agenda de desarmamento nuclear ocidental com um vigor incomum. O "guarda-chuva nuclear" do Ocidente, aliás, nunca cobriu os Estados árabes. A pergunta que eles farão é: o que mais Teerã pretende que nem eles nem o Ocidente sabem? Eles terão de ser apaziguados. No Oriente Médio, o equilíbrio acaba de mudar perigosamente.Por sua parte, Israel ficará gratificado porque o Irã, há muito sua questão de segurança "existencial", está sendo tratado agora com igual seriedade por países ocidentais e pela Rússia. Binyamin Netanyahu e seu gabinete de direita aguardarão a ação "incapacitante" contra Teerã, antecipada pela secretária de Estado dos EUA, Hillary Clinton. Mas, por razões diferentes, eles também permanecerão céticos, como a China, sobre a eficácia das sanções.O prazo até o fim do ano de Netanyahu, imposto a Obama quando ele estava olhando para o outro lado, para um progresso substancial na contenção do Irã, permanecerá em vigor, ao menos da parte israelense. No entanto, a aposta de Obama de abrir um diálogo com o Irã - o chamado "punho aberto" - pode, ao contrário, ser fortalecida . O Irã foi colocado na defensiva. Ele foi apanhado na mentira, mais uma vez. Não pode convincentemente fingir que é uma mera vítima inocente da maldade de Washington.O regime de Teerã não pode dizer tampouco a seu povo decepcionado e oprimido - e a seus representantes moderados e reformistas no Parlamento - que tudo não passa de uma conspiração estrangeira. Essa bomba enfraquecerá o líder supremo Ali Khamenei, o principal negociador nuclear, Saeed Jalili, e o restante da tripulação linha-dura de Teerã no exterior e em casa, embora, como sempre, eles tentarão blefar.Após meses de frustração, Obama forçou o Irã a baixar a guarda. Pode não durar muito tempo; os fraudadores e impostores de Teerã podem ter mais azes na manga. Mas existe uma oportunidade fugaz de lançar uma genuína negociação - se Obama jogar as cartas certas.* Simon Tisdall é colunista
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