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Para celebrar a semana de luta da pessoa com deficiência, o #blogVencerLimites publica uma série de artigos exclusivos, escritos por pessoa com e sem deficiência.
No quinto texto, Jota Santos Junior, músico e historiador que tem Esclerose Múltipla Primária Progressiva, colaborador das associações Amigos Múltiplos pela Esclerose (AME) e Crônicos do Dia a Dia (CDD), faz uma análise da acessibilidade como conceito, direito do indivíduo e dever da sociedade, destacando a maneira como esses três pontos estão desalinhados.
O Dia Nacional de Luta da Pessoa com Deficiência, 21 de setembro, foi instituído em 1982 por iniciativa de movimentos sociais, liderados por Cândido Pinto de Melo, fundador do Movimento pelos Direitos das Pessoas Deficientes (MDPD), e oficializado pela Lei Nº 11.133, de 14 de julho de 2005.
A data foi escolhida para coincidir com o Dia da Árvore, representando o nascimento das reivindicações de cidadania e participação em igualdade de condições.
Em 2008, o Brasil ratificou a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, adotada pela Organização das Nações Unidas (ONU), e o Protocolo Facultativo, documento equivalente à emenda constitucional. A convenção é base do texto da Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Nº 13.146/2015).
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Acessibilidade não é um direito
por Jota Santos Junior*
Sempre que algo dá errado no que tange à acessibilidade de um estabelecimento ou instituição, alguém toma minhas dores e, indignada, a pessoa conclama: que absurdo! Acessibilidade é um direito seu! No entanto, apesar da boa intenção, sem querer ser chato e com a certeza de que não serei completamente compreendido, tendo a discordar: não, não! Acessibilidade não é um direito, mas uma concepção.
A acessibilidade é um desejo, anterior a qualquer legislação. Antes de se tornar lei havia uma ideia, que sobreviveu como uma herança imaterial em diálogo com a sensibilidade social do momento. Nada havia de garantia que indicasse direitos possuídos; só as lutas e enfrentamentos diários de famílias e indivíduos com suas dificuldades. Muito sofrimento e muitas batalhas foram travadas até certos princípios ganhassem a letra da lei.
Transformada em direito, cabe a cada um e às instituições assegurarem os princípios que determina para não cair em duas distorções fundamentais, entre aquilo que é direito e aquilo que é fato: o descumprimento da legislação, de um lado, e a utilização desnecessária e a universalização de um direito, de outro.
Sobre o primeiro caso, podemos analisar a questão sobre duas perspectivas, total ou parcial. O que estou chamando de 'total' se refere à simples inexistência de algo previsto em lei. Muitos locais são inacessíveis e sem qualquer política de acessibilidade, seja por falta de interesse, seja por falta de empatia, transformando as deficiências em impossibilidades e segregando as pessoas em locais específicos.
A parcial é aquela em que as legislações são 'mais ou menos' cumpridas. O estabelecimento reconhece a necessidade de ser acessível, procura se adequar a legislação, mas na prática não funciona. No nosso dia a dia é possível observar uma série de tentativas desse tipo, resultando em distorções na prática da acessibilidade, e não possibilitando autonomia aos sujeitos: como rampas em angulação inadequada, pisos táteis que fazem o indivíduo andar em círculos ou o coloca diante de uma árvore.
A outra distorção diz respeito à universalização dos sujeitos, colocados em categorias sem peculiaridades individuais: o idoso, a mulher, o deficiente.
Embora precisemos dos grupos para revindicações sociais, é importante entender as diferenças de cada um, caso contrário, cairíamos em pequenas corrupções permitidas pelo direito, em que as pessoas se utilizam de uma categoria para atingir benefícios pessoais (você tem o direito, mas não tem a necessidade).
A outra face da questão é dificultar que certas pessoas tenham acesso a direitos conquistados, deslegitimando a pessoa frente a uma identidade de grupo. Por exemplo, no Carnaval, a foto de uma mulher grávida sambando na avenida foi utilizada para apontarem a inutilidade do direito da gestante à fila preferencial, sem notar as diferenças de mulher para mulher e os cuidados necessários e específicos de cada gravidez.
Devido a essas universalizações, comportamentos e atitudes são esperados. Quando não realizados, causam confusões e julgamentos. Quem realmente precisa é taxado como aproveitador: o cadeirante que se levanta para comemorar um gol ou a jovem sentada no assento preferencial com sintomas invisíveis.
Então, acessibilidade é muito mais que um direito. Não é o ponto de chegada, mas uma companheira de viagem. Nessa jornada, a acessibilidade é o ideal que manterá a chama que pode conduzir homens e mulheres à autonomia. A acessibilidade não deve ser reconhecida como um direito 'seu', mas de todos.
*Jaime Fernando dos Santos Junior, o Jota, tem 36 anos, é músico e doutorando em História na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Trabalha no acolhimento das associações Amigos Múltiplos pela Esclerose (AME), onde também é blogueiro, e Crônicos do Dia a Dia (CDD). É casado com Bruna Rocha Silveira e pai do Francisco.
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