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Morreu hoje um ex-fumante. Tinha 76 anos. Era motorista e mecânico. Estava aposentado há aproximadamente 20 anos. Dirigiu ônibus e caminhões de todos os tipos e tamanhos. Desmontava e montava motores com habilidade.
Começou a fumar no início da adolescência, quando era quase nula a compreensão sobre aquele fino rolo de tabaco picado e o envenenamento constante causado por seu consumo. Manteve o hábito por mais de 60 anos.
Faleceu em decorrência dos problemas causados por um enfisema, somados às dificuldades provocadas pela Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC) em grau 4. Médicos alertavam para a probabilidade de câncer no pulmão, mas por seu quadro de saúde muito delicado e sua fragilidade física, nenhum jamais arriscou o procedimento para confirmar.
Nos últimos dois anos de vida seu apetite foi desaparecendo gradualmente. Não sentia prazer algum à mesa. Olhava para a comida com a mesma expressão de uma criança forçada pelos pais a comer o que não conhece. No momento de sua passagem, tinha 18% de capacidade respiratória e pesava pouco mais de 20 quilos.
Passou os últimos meses dormindo profundamente durante a maior parte do dia, vencido pela fraqueza sem fim. Era necessário arrancá-lo da cama para que comesse algo, tomasse banho e fosse submetido a outras atividades diárias obrigatórias. Também sofria com a prisão de ventre e atravessa dias e noites em peregrinação ao banheiro. Acabava sempre ferido, sangrando, exausto. Quando não havia mais possibilidade de cuidados em casa, teve de ser internado em um hospital para que recebesse atenção especializada.
Certa vez, quando ainda sugava a fumaça de muitos cigarros por dia, o velho motorista disse. "Eu já não faço mais nada. Se não puder soltar minha fumacinha, o que farei?". Não entendia que aquele hábito era o causador de suas mazelas. Jamais compreendeu que engolia milhares de substâncias químicas nocivas, envenenando seu corpo vagarosamente, de forma letal.
Os passeios com os primos a cidades próximas se tornaram impossíveis porque ele não tinha mais forças para levantar da cama, muito menos para descer as escadas entre o primeiro andar e a saída do prédio onde morava há quase 40 anos.
Sua esposa, agora viúva, acompanhou tudo com uma profunda tristeza, denunciada em seu olhar.
A única filha do casal, que morava e trabalhava em outra cidade, voltou à casa dos pais. Passou a ser cuidadora em tempo integral, de ambos.
Acompanhar o sofrimento do pai era desgastante ao extremo. Mas a filha se esmeirava. Os gastos mensais com medicamentos, planos de saúde, alimentação saudável, suplementos e outros itens eram muito maiores do que o dinheiro obtido com a soma das aposentadorias do casal. Amigos muito generosos ajudaram comprando alguns dos remédios mais caros. Ela buscou todas as formas de reduzir os custos, até a inclusão em programas públicos, mas nem todos deram respostas positivas.
Agora o corpo desse ex-fumante cessou o funcionamento, o coração bateu pela última vez e parou, o fraco pulmão não se movimenta mais, os olhos não têm mais brilho. Ele não pergunta mais se todos dormiram bem. Não sorri ao ver a gatinha da casa pular em sua cama. Não assiste mais ao futebol. Não comenta mais as notícias policiais, que adorava acompanhar na TV.
Deixou mulher e filha. Deixou ambas com saudades.
A morte não é o fim da existência. É somente uma transferência para outra forma. E nessa dimensão ao lado, ou acima, o velho motorista flutua.
O corpo humano é frágil e precisa de cuidados constantes. Nosso entendimento sobre como somos atingidos por diversas mudanças é superficial. E isso nos torna arrogantes, incapazes de perceber que estamos todos no mesmo caminho, ainda que por rotas distintas.
Para cada um de nós há um momento de fraqueza, de redução das forças, de busca por auxílio. Conseguiremos expandir nossa compreensão quando aceitarmos nossas deficiências como naturais e inevitáveis.
O Dia Mundial sem Tabaco, comemorado anualmente em 31 de maio, foi criado em 1987 pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como um alerta sobre as doenças e mortes evitáveis relacionadas ao tabagismo. No Brasil, o Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva (INCA) é o responsável pela divulgação e elaboração do material técnico para subsidiar as comemorações em níveis federal, estadual e municipal.
Desde 1989 o Instituto é responsável pela coordenação do Programa Nacional de Controle de Tabagismo (PNCT). Em 1997, o INCA se tornou Centro Colaborador da OMS para o Controle do Tabaco e passou a exercer também a Secretaria Executiva da Comissão Nacional para a Implementação da Convenção-Quadro para o Controle de Tabaco (Se-Conicq), que coordena e articula a Política Nacional de Controle do Tabaco.
No Dia Mundial sem Tabaco, o Instituto - em parceria com as Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde dos 26 estados, e do Distrito Federal e a sociedade civil - promove e articula uma grande comemoração nacional em torno do tema definido pela OMS.
A epidemia global do tabaco mata quase 6 milhões de pessoas por ano. Destas, mais de 600 mil são fumantes passivos (pessoas que não fumam, mas convivem com fumantes). Se nada for feito, estão previstas mais de 8 milhões de mortes por ano a partir de 2030. Mais de 80% dessas mortes evitáveis atingirão pessoas que vivem em países de baixa e média rendas.
Embalagens - Reduzir a demanda por tabaco e seus derivados com a padronização das embalagens do produto. Esse é o objetivo da campanha promovida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para o Dia Mundial sem Tabaco 2016, comemorado anualmente em 31 de maio. As embalagens de cigarros tornaram-se o principal veículo de comunicação entre empresa e consumidor (por causa do avanço na proibição da publicidade e promoção de produtos de tabaco nos meios de comunicação e nos pontos de venda), a campanha tem como tema "embalagens padronizadas de tabaco".
Com a padronização, as embalagens dos produtos de tabaco passam a ser iguais, seguindo um padrão definido pelo governo, que determina forma, tamanho, modo de abertura, cor, fonte, mantendo-se apenas o nome da marca. Também não possui logotipos, design e textos promocionais. As advertências sanitárias sobre os malefícios do tabagismo exigidas pelo Ministério da Saúde e o selo da Receita Federal continuam.
A Austrália foi o primeiro país a padronizar as embalagens, em 2012. Em fevereiro, o Departamento de Saúde do governo australiano apresentou um relatório amplo que demonstra que as embalagens padronizadas de tabaco foram responsáveis por 25% da queda na prevalência de fumantes, que caiu de 19,4% para 17,2% nos últimos três anos. A análise conclui que os efeitos dessa política sobre a prevalência do tabagismo e o consumo de tabaco tendem a crescer ao longo do tempo.
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