
"Considero produtos e serviços realmente inclusivos quando pessoas com deficiência validam", afirma Janaína de Siqueira Bernardino, de 39 anos, cega, designer especialista em acessibilidade digital na Dasa, rede de hospitais e laboratórios com mais de 900 unidades no Brasil.
A empresa tem atualmente 40 mil funcionários, sendo que 2,2%, o equivalente a 554 empregados, são pessoas com deficiência, segundo o relatório de sustentabilidade de 2020. Conforme a Lei de Cotas (nº 8.213/1991), companhias com 1.000 funcionários ou mais têm de manter em seu quadro de trabalho 5% de profissionais com deficiência.
"Ser uma pessoa com deficiência contribui para traduzir as barreiras e implementar soluções que garantem independência e autonomia", diz a especialista, que faz parte de um time com mais de 90 profissionais.
Heron Domingos Maturana Junior, de 40 anos, surdo, é designer de produto com foco na acessibilidade e trabalha na mesma equipe de Janaína.
"A meta é dar mais acessibilidade aos canais digitais e aos ambientes físicos, laboratórios e hospitais, garantir o atendimento em Libras nos ambientes físicos, no website da Dasa e no 'Nav', plataforma digital que reúne informações desde a consulta até o histórico de exame", comenta Heron.
"Também orientamos sobre a sinalização dos espaços físicos de interação com os consumidores, email marketing, acessibilidade no código dos aplicativos e websites, as necessidades das pessoas surdas que se comunicam em Libras ou de cegos que usam leitores de tela", destaca o designer.
"Ser inclusivo não é tendência, é realidade", defende Heron. "A acessibilidade não é exclusiva para pessoas com deficiência, é para todos os tipos de pessoas e para todas as idades. Então, o produto ou serviço inclusivo precisa nascer acessível", diz. "Tem que ter 100% de interação, feito por quem percebe as dificuldades de acesso de cada um. Não há ferramenta milagrosa", ressalta.

blog Vencer Limites - Especificamente sobre a acessibilidade digital, há uma reclamação do mercado sobre a falta de profissionais, principalmente de programadores, com conhecimento abrangente e aprofundado em rotinas e códigos para tornar plataformas e websites acessíveis. Qual é a sua avaliação sobre esse cenário e como melhorar?
Janaína Bernardino - A tecnologia está demandando profissionais não só de acessibilidade, mas de diversas outras linguagens de programação. Neste momento é que surge a necessidade de estudar e aprender, engajando os profissionais com base na demanda de acessibilidade, levando sempre em consideração as necessidades do usuário.
A boa notícia é que todo o conteúdo é gratuito e completo, pela W3C com a WCAG. As próprias big techs, Apple e Google, por exemplo, têm documentações completas, com exemplos práticos e fóruns para tirar dúvidas.
Além disso, temos ótimos materiais traduzidos e explicativos no Brasil, como o Guia WCAG e o site Web Para Todos, além de outras comunidades que pesquisam e divulgam conteúdos sobre o tema.
Por fim, a acessibilidade aprendida e aplicada no dia a dia torna-se simples e fácil no trabalho de desenvolvedores e designers, que passam a fazer produtos e serviços acessíveis desde o início.
blog Vencer Limites - O abismo da acessibilidade digital no Brasil, com menos de 1% de websites realmente acessíveis, favorece o surgimento de ferramentas com base em inteligência artificial, inclusive os tais "plugins milagrosos" citados pelo Heron. O próprio Google investe nas startups desse setor, mas há muita resistência de profissionais de CX Design, UX e outros que trabalham com By Design em dialogar com essas tecnologias. Muitos se esforçam para desqualificar essas inovações. Não é um erro, uma contradição a práticas inclusivas, bloquear essa conversa?
Heron Maturana Jr. - As tecnologias de acessibilidade são fundamentais, mas elas são apenas uma parte da jornada. Sozinhas, não garantem acessibilidade e, hoje, a falta dessa compreensão é um grande problema no mercado.
Existem, por exemplo, diversos plugins que podem ser conectados ao site para fazer a tradução do conteúdo e atendimentos para pessoas surdas, geralmente, por meio de um avatar virtual. Mas o plugin, sozinho, não resolve o problema. O avatar não passa intensidade, muitos vocábulos acabam sendo soletrados e, com isso, todo o storytelling que foi construído no texto escrito se perde na tradução para Libras ou para voz, por exemplo.
Em outras palavras, o conteúdo que a pessoa com deficiência está consumindo é inferior ao consumido pelas demais. Outro ponto: os plugins são conectados aos sites, mas não funcionam nos aplicativos, que hoje são a principal porta de entrada para a maioria dos negócios.
Portanto, o diálogo é importante para que essas ferramentas alcancem um nível de maturidade.
Uma das medidas que estamos estudando é a gravação de vídeos com interpretação em Libras para as nossas páginas. Com isso, garantimos a tradução fiel do conteúdo, sem ruídos, e assegurando que muitos termos da área médica, hoje incompreensíveis para os plugins, não sejam apenas soletrados para o usuário.
blog Vencer Limites - Como a equipe atua para vencer preconceito, desconhecimento, mudar o pensamento de funcionários que não acreditam na importância da acessibilidade, na qualidade da pessoa com deficiência como cliente, nos benefícios da inclusão?
Janaína Bernardino - É uma questão cultural. As empresas precisam ser protagonistas na missão de tirar as pessoas com deficiência da invisibilidade, contratando-as, adaptando-se a elas e reconhecendo seus talentos. Quando eu entrei na Dasa, a primeira pergunta que me fizeram foi: 'O que podemos fazer para que o nosso processo seletivo se adapte às suas necessidades?'. Essa simples pergunta, quando não é feita, exclui.
Outra ação importante é dar espaço para o lugar de fala dentro da empresa, realizar rodas de conversa e encontros de inclusão, mesmo que virtuais, para que possamos explicar como o nosso universo funciona. Isso gera empatia nas equipes, que passam a se questionar e a pensar na questão da acessibilidade na hora de desenvolver os produtos. Afinal, elas não vão querer projetar algo que o colega não poderá usar.
Eu, o Heron e outros profissionais da Dasa somos muitos procurados por todas as áreas da companhia para saber como tornar acessível o que está sendo feito.
blog Vencer Limites - Falando sobre o atendimento a clientes surdos, quais recursos são oferecidos além de Libras?
Heron Maturana Jr. - Adotamos alguns plugins para estudar qual é o melhor e se, de fato, eles podem compor o nosso conjunto de ações de acessibilidade para pessoas surdas. Também estamos avaliando a possibilidade de gravar vídeos com intérpretes de Libras para nosso conteúdo online, seja no site ou como levar essas ações para o aplicativo. Também estamos em trabalho com um fornecedor para tornar nossa Central de Atendimento acessível a clientes surdos. Em vez de ser um atendimento por voz, será por vídeo, com atendentes se comunicando em Libras.
Lembrando que pessoas surdas que não sabem Libras, pessoas nascidas oralizadas, com o português como primeira língua, podem perder a audição e precisam de informações por escrito, por chat por exemplo.
A ideia é que isso também se expanda para as unidades físicas, com a distribuição de tablets para a enfermagem e a equipe assistencial, que, ao receber uma chamada de um cliente para saber, por exemplo, como está o andamento de um exame, poderão conversar com eles sem percalços. Além disso, a Universidade Dasa oferece o curso de Libras gratuito para todos os colaboradores.
Clique aqui para ler a baixar o relatório de sustentabilidade 2020 da Dasa