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'Vilões' da crise, bancos dos EUA terão de seguir regras mais rígidas

Enquanto uma comissão no Congresso investiga os problemas, governo Obama propõe mudanças radicais no setor

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Por Patrícia Campos Mello e correspondente em Washington

MAU EXEMPLO - O banco Goldman Sachs é um dos mais criticados nos EUA, pois apostava na queda de ativos que vendia a investidores

Uma caça às bruxas no sistema financeiro dos Estados Unidos deve revolucionar o modo de funcionamento dos bancos no país. Uma comissão de investigação das causas da crise, batizada de Comissão Angelides, está desenterrando os podres de bancos e outras instituições financeiras que levaram a economia americana à sua maior crise desde a Grande Depressão.

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O presidente Barack Obama, com a popularidade em baixa, já elegeu Wall Street como alvo de sua ira populista. Nesta semana, anunciou regras proibindo bancos que detêm depósitos de correntistas de investir, negociar ou aconselhar fundos hedge (os mais arriscados do mercado) e fundos de participações em empresas (private equity), além de vetar as instituições de fazer operações com seu próprio dinheiro, na chamada regra de Volcker.

Obama também propôs medidas para limitar o tamanho dos bancos - para que o governo não se veja novamente obrigado a resgatar instituições com dinheiro do contribuinte para evitar um colapso no sistema financeiro. Na semana passada, o presidente americano anunciou uma taxa de responsabilidade sobre a crise, que deve arrecadar dos grandes bancos US$ 100 bilhões em 10 anos.

Mas isso é só o começo. A comissão Angelides, capitaneada por Phil Angelides, um combativo ex-tesoureiro da Califórnia, está examinando minuciosamente milhares de transações realizadas pelos bancos nos anos anteriores à crise. A comissão também analisa o ciclo de desregulamentação que varreu os EUA. Um ponto importante foi 1999, quando o Citigroup, que havia acabado de incorporar o Travelers, pressionou o Congresso e o governo Clinton para derrubar a Lei Glass Steagall, de 1933.

A lei exigia a separação entre bancos de investimentos e bancos de varejo. A derrubada da Glass Steagall permitiu que o Citi e outros bancos, como o JP Morgan Chase, se transformassem em supermercados financeiros, oferecendo contas bancárias, mas também securitização, derivativos , fundos hedge, etc. Esses bancos enormes são hoje exemplos dos "grandes demais para quebrar".

Em 2004, outro ponto alto da onda de desregulamentação que pavimentou o caminho para a crise - sob pressão do ex-secretário do Tesouro Henry Paulson, que na época era presidente do Goldman Sachs: uma mudança nas regras da Securities and Exchange Commission (SEC, a Comissão de Valores Mobiliários dos EUA) permitiu que os bancos de investimento tivessem alavancagem de até 30 vezes. Ou seja, para cada US$ 30 de empréstimo, precisavam de apenas US$ 1 de capital. Como exemplo, no Brasil, essa relação é de R$ 9 para R$ 1.

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Com isso, liberaram um montante enorme para aplicar em ativos arriscados. Em 2000, foi a vez dos derivativos. Uma mudança fez com que derivativos exóticos, como os CDOs, no coração da crise atual, ficassem livres de supervisão. O mercado de derivativos saltou de US$ 88 trilhões há dez anos para US$ 600 trilhões hoje.

LIBERALIZAÇÃO

Em 2005, o então presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central americano), Alan Greenspan, resumiu seu pensamento: "Regulamentação do setor privado é geralmente muito melhor para restringir riscos excessivos do que regulamentação do governo."

Para completar, o Fed manteve os juros baixíssimos durante muito tempo, o que estimulou consumidores a assumir hipotecas que não podiam pagar e bancos a se endividar (alavancar) .

Financeiras vendiam hipotecas de alto risco para consumidores que obviamente não poderiam pagar. Mas eles não se importavam, porque vendiam esses financiamentos para os bancos, que os empacotavam na forma de papéis lastreados em hipotecas, e passavam para frente. Isso, claro, depois de as agências de risco serem convencidas pelo bancos a darem classificação AAA (máxima) a muitos desses papéis, apesar da alta probabilidade de calote.

Os bancos vendiam os papéis a investidores. Desde julho de 2007, houve 2 milhões de hipotecas executadas. O Departamento de Justiça e a SEC indiciaram 500 empresas por fraude.

Os CDOs (Collateralized Debt Obligations) eram uma espécie de seguro que investidores comparavam para se proteger da possibilidade de uma empresa ou banco dar calote. Só que a maioria dos compradores de CDOs não tinha nenhum interesse de proteção - estavam especulando e muitas vezes apostando que determinada empresa ia quebrar. A seguradora AIG foi pega no contrapé com apostas de bilhões em CDOs. Como esses papéis não eram regulados desde a decisão do ano 2000, ninguém sabia exatamente o volume do buraco. A AIG recebeu um resgate de US$ 180 bilhões do governo.

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"Grande parte do problema é que o sistema financeiro saiu de seu negócio básico, de emprestar dinheiro; a animação não estava em simples empréstimos, estava em toda especulação com CDOs", disse o economista Joseph Stiglitz em Washington na quarta-feira.

Para Stiglitz, derrubar a Glass Steagall foi um erro. "As culturas de banco de varejo e banco de investimentos são diferentes. Banco de varejo tem de ser entediante, enquanto o de investimento busca altos riscos para clientes de alta renda."

GAFE

O Goldman Sachs se transformou no vilão oficial da crise. Primeiro, foi acusado de ludibriar os investidores. O banco vendia a seus clientes papéis lastreados em hipotecas ou outros títulos que sabia ser muito arriscados, e, enquanto isso, em suas posições de tesouraria (investimentos próprios), apostava na queda dos preços dos papéis. Depois, o Goldman foi acusado de ter sido a maior beneficiário do pacote de resgate à AIG.

O presidente do Goldman, Lloyd Blankfein, cometeu uma gafe ao defender suas atividades. Disse que fazia "o trabalho de Deus". Ficou famosa a analogia do jornalista Matt Taibi, que descreveu o banco como "uma lula vampira gigante sugando" o dinheiro da humanidade.

A opinião pública se virou definitivamente contra as instituições financeiras quando foram divulgados os grandes bônus que os bancos estão distribuindo para seus funcionários. Enquanto o desemprego continua em mais de 10% e a economia se recupera lentamente, os bancos já estão registrando lucros altos e distribuindo grandes bonificações a seus funcionários.

A Câmara aprovou uma versão da Lei de Reforma Financeira em junho. O projeto recomenda que agências reguladoras estabeleçam maiores exigências de capital e a criação de um órgão regulador sistêmico, além de maior supervisão sobre derivativos. O Senado está negociando sua versão, que inclui uma agência de proteção ao consumidor de produtos financeiros. Depois, as duas precisam ser fundidas. Obama quer a incorporação da regra de Volcker.

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Os bancos não foram os únicos alvos dessa onda de sentimento anti-Wall Street. O secretário do Tesouro, Tim Geithner, foi intimado a depor sobre a operação de resgate à AIG. O presidente do Fed, Ben Bernanke, está ameaçado pelos senadores de não ter seu mandato renovado. Os congressistas acham que o Fed dormiu no volante ao manter os juros baixos e foi bonzinho com os bancos.

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