Como é o megaprojeto científico de R$ 22 bilhões que tem a ajuda de brasileiros

Unicamp e empresa aeroespacial Akaer participam de iniciativa que investiga a origem e o futuro do universo; experimento está previsto para começar em 2030 nos EUA e envolve mais de mil cientistas de todo o mundo

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Foto do author Roberta Jansen
Atualização:

Cientistas brasileiros participam de um dos maiores experimentos científicos da atualidade, o Deep Underground Neutrino Experiment (Dune), do Departamento de Energia dos Estados Unidos, que busca decifrar as propriedades do neutrino, uma elusiva partícula subatômica. O objetivo do projeto é elucidar alguns dos mais intrigantes mistérios do Universo, como o surgimento da matéria, a formação dos buracos negros e da matéria escura.

Mais de mil cientistas em todo o mundo participam do experimento, previsto para entrar em operação até o fim da década. Laboratórios subterrâneos estão sendo construídos nos Estados Unidos para abrigar o experimento. O custo final do projeto é estimado em US$ 3,7 bilhões (cerca de R$ 22 bilhões).

Professores Pascoal Pagliuso e Ana Amélia Machado no Laboratório do Instituto de Física da Unicamp: cientistas brasileiros desenvolvem tecnologia para a purificação do argônio Foto: Ricardo Lima/Estadão

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Por todas essas características, o Dune é considerado um dos maiores projetos científicos em curso atualmente, perdendo apenas para a Estação Espacial Internacional (ISS), para o Laboratório de Fusão Nuclear na França e para o Grande Colisor de Hádrons (LHC), o maior acelerador de partículas do mundo, da Organização Europeia para Pesquisa Nuclear (CERN).

“Nosso objetivo é estudar os neutrinos, partículas elementares muito abundantes na natureza, mas completamente misteriosas”, explica o professor da Unicamp Pascoal José Giglio Pagliuso, que participa do projeto.

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“Entende-se que, ao estudar as propriedades do neutrino, conseguiremos resolver mistérios ligados à origem do Universo, como a existência dos buracos negros, as explosões de supernovas e a composição da matéria escura.”

Os neutrinos são partículas subatômicas (ou seja, menores que o átomo), assim como os nêutrons, os prótons e os elétrons. Porém, diferentemente deles, os neutrinos não se juntam a outras partículas para formar átomos, pois não têm carga elétrica.

Os neutrinos são a segunda partícula mais abundante do universo, superadas apenas pelos fótons. Um bilhão de vezes mais numerosos que as partículas que compõem estrelas e planetas, eles são eletricamente neutros, possuem massa quase nula e interagem minimamente com a matéria. Essas características os tornam extremamente desafiadores de estudar.

Para piorar a situação, existem três tipos de neutrinos e eles são capazes de se transformar uns nos outros, um fenômeno denominado “oscilação de neutrinos”.

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Na metáfora criada pelos cientistas, essa transformação é similar a imaginar um gato que poderia se transformar em uma onça, depois em um tigre e, finalmente, voltar a ser um gato.

Para estudar os neutrinos, o projeto Dune tem à disposição o complexo de aceleradores de partículas do laboratório Fermilab, laboratório especializado em física de partículas de alta energia do Departamento de Energia dos EUA, que recentemente foi aprimorado para produzir o maior feixe de neutrinos do mundo. Esse feixe passará por quatro detectores das subpartículas, que serão preenchidos com 70 mil toneladas de argônio – gás nobre que será usado em sua forma líquida.

Cientistas brasileiros desenvolveram tecnologia inovadora de purificação do argônio  Foto: Ricardo Lima/Estadão

É aqui que entram os cientistas brasileiros. Pesquisadores da Unicamp e da Akaer (uma empresa brasileira de engenharia aeroespacial) desenvolveram uma tecnologia inovadora para a purificação do argônio em níveis nunca antes alcançados – uma pré-condição essencial para que a interação com os neutrinos ocorra.

Como o argônio não reage com nenhum outro elemento químico ele já é um gás considerado muito puro. Porém, é preciso purifica-lo ainda mais para que sirva de alvo para o neutrino.

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“Imagine uma piscina olímpica cheia de argônio líquido”, diz Thiago Alegre, que também participa do projeto. “Se nessa piscina caírem duas gotas de oxigênio, acabou o experimento. É esse nível de pureza que estamos buscando”, continua.

“A nossa participação é apoiar a Unicamp no desenvolvimento de uma planta de purificação, num nível de pureza que não existe”, conta o vice-presidente de operações da Akaer, Fernando Ferraz. “Imagine a maior planta de purificação de gás, com esses níveis de pureza, qualidade e confiabilidade, construída no subsolo. É como montar uma caravela dentro de uma garrafa, temos que descer peça por peça de elevador” compara.

Os neutrinos produzidos vão atravessar os tanques de argônio e, esporadicamente, colidir com um átomo de argônio, gerando uma “chuva” de partículas. Esses elementos serão transformados em dados e enviados à superfície.

Parte dos detectores ficará perto da fonte do feixe de neutrinos, em Illinois, Estado onde fica Chicago. A outra parte ficará a 1,3 mil km de distância, no laboratório subterrâneo de Sanford na Dakota do Sul. Assim, os cientistas do Dune poderão analisar os neutrinos antes e depois de sofrerem as oscilações.

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Os cientistas do Dune afirmam que o projeto tem chances de responder a algumas das perguntas mais intrigantes da Física: por que a matéria existe e por que ela se tornou preponderante após o Big Bang? Como a explosão de uma estrela cria um buraco negro? Há alguma relação entre os neutrinos e a matéria escura?

Além disso, a partir da observação da enorme massa de prótons que o Dune irá criar, talvez seja possível detectar o decaimento de um próton – um fenômeno teorizado mas nunca visto, que abre caminho para a unificação das forças do Universo.

Hoje, o entendimento é de que as quatro forças que governam o universo são: a gravidade, o eletromagnetismo, a força nuclear fraca e a força nuclear forte.

Coordenado pelo Fermilab, o Dune é um projeto colaborativo que inclui mais de 1,4 mil cientistas e engenheiros de 200 instituições em 35 países. O projeto também conta com o apoio do Cern.

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O Dune é majoritariamente financiado pelo Departamento de Energia americano. Parte dos custos também é financiada por instituições internacionais, como a Finep e a Fapespno Brasil (num total de R$ 432 milhões), e o Departamento de Energia Atômica da Índia. Também estão entre os investidores a Polônia, a Suiça e o Reino Unido. Está sendo negociada a possibilidade de um centro de análise de dados do Dune ser instalado na Unicamp.

“O experimento começa em 2030 e estará em operação por pelo menos duas décadas”, afirma Pagliuso. “Um centro de análise de dados aqui abre uma possibilidade de descobertas fantásticas para os nossos cientistas e até, quem sabe, um prêmio Nobel.”

“A quantidade de dados gerados a cada minuto do experimento é de uma ordem de grandeza maior do que as que existem hoje”, diz Fernando Ferraz. “É um avanço gigantesco em termos de capacidade computacional para tratar esse volume de dados. Isso, por si só, abre uma frente de evolução muito significativa. Ter um centro desses no Brasil é de extrema importância.”