Como manipular os próprios sonhos ajuda a escapar de pesadelos

A alteração induzida dos enredos oníricos pode reduzir os pesadelos recorrentes e até mesmo proporcionar experiências impossíveis na vigília, como voar; entenda a ciência por trás dos ‘sonhos lúcidos’

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Foto do author Roberta Jansen

Muitas pessoas têm espontaneamente o que os cientistas chamam de sonhos lúcidos, sobretudo na adolescência. Trata-se daquela experiência rara de estar sonhando e perceber que está em meio a um sonho. Em geral, é nessa hora que a maioria das pessoas acorda.

Com a prática, no entanto, é possível aprender a se manter lúcido dentro do sonho, interferindo inclusive no enredo onírico. Recentemente, cientistas descobriram que em meio a um sonho lúcido, o sonhador pode, inclusive, se comunicar com um pesquisador e receber instruções sobre o que fazer dentro do sonho.

Quadro de Salvador Dali 'Sonho causado pelo voo de uma abelha em torno de uma romã um segundo antes de acordar' Foto: Salvador Dali/Museu Thyssen-Bornemisza, Madrid, Coleção Permanente

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Não se trata apenas de uma curiosidade. Pessoas com estresse pós-traumático, por exemplo, costumam ter pesadelos recorrentes que, em alguns casos, podem inviabilizar suas vidas, levando à depressão profunda e até mesmo ao suicídio.

Poder interferir nesses sonhos, alterando completamente seu enredo, pode ser uma tábua de salvação. Também pode ser uma forma de “encontrar” uma pessoa querida já falecida ou apenas uma diversão para quem quer experimentar atividades impossíveis na vigília, como voar.

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Em estudo de 2021 publicado na revista científica Current Biology, pesquisadores holandeses, franceses e alemães apresentaram evidências de comunicação real durante um sonho lúcido. Os pesquisadores apresentaram questões matemáticas aos sonhadores. Por exemplo, “Quanto é oito menos seis?”. Os pacientes adormecidos responderam corretamente fazendo dois movimentos com os olhos para o lado direito.

“O sonho lúcido é um tipo de sonho bem frágil porque ocorre na transição entre o sono REM (sigla para movimento rápido dos olhos, período do sono em que ocorrem os sonhos) e a vigília”, explica o neurocientista Sidarta Ribeiro. “Quando conseguimos nos conscientizar de que estamos sonhando sem despertar, assumimos o controle do sonho e podemos construir cenários, encontrar pessoas.”

Imagens da exposição Sonhos, no Museu do Amanhã, com curadoria do neurocientista Sidarta Ribeiro Foto: Albert Andrade/Museu do Amanhã

O neurocientista fala por experiência própria. Aos cinco anos, ele perdeu o pai, vítima de um ataque cardíaco fulminante, o que o levou a ter terríveis pesadelos recorrentes. Os sonhos eram tão pavorosos que, em dado momento, ele passava a noite em agonia, se esforçando para não cair no sono e se ver mais uma vez em um pesadelo.

“Ficava imóvel na cama, sozinho no quarto, lutando sofregamente contra o sono, decidido a manter a vigília”, contou o neurocientista no livro O oráculo da noite. “Acabava me rendendo após algumas horas e tudo começava de novo.”

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Sidarta conta que só conseguiu superar o problema com a ajuda de um profissional de psicoterapia e o aprendizado sobre o controle dos sonhos. “O sonho ilustrava com riqueza de detalhes o sentimento de orfandade, bem como a solidão do medo da morte subitamente descoberta como algo real”, conta.

“Era uma situação irreversível e crônica. E o menino que fui não via luz no fim do túnel. O sonho repetitivo expressava esse beco sem saída, que parecia concreto e inescapável”, acrescenta ele, curador de uma exposição sobre sonhos no Museu do Amanhã, no Rio de Janeiro.

É possível fazer o treinamento em casa. Ao acordar durante a noite, tente visualizar um sonho lúcido, antes de voltar a dormir. Com a prática, os sonhos lúcidos passam a acontecer. No laboratório, é possível contar com a ajuda de um cientista na alteração do enredo onírico.

Novos estudos estão tentando identificar padrões da atividade cerebral durante episódios de sonhos lúcidos. A médio prazo, essa pesquisa pode levar ao desenvolvimento de dispositivos vestíveis programados para detectar momentos de indução de sonhos lúcidos durante o sono. Mais uma estratégia contra os pesadelos recorrentes e o sono interrompido.

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