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Opinião | E se a gente sentisse o cheiro com os dedos?

Cientistas desvendaram o mistério de onde ficam os receptores do olfato nas aranhas a partir de testes feitos com a espécie ‘Argiope bruennichi’

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Foto do author Fernando Reinach

Imagine como seria sua vida se, ao invés de sentir cheiros com o nariz, seu órgão olfativo estivesse na ponta dos dedos. Ao invés de levar toda a cara para perto da panela, bastaria colocar o dedo perto do cozido. Esta é a realidade das aranhas. Foi descoberto que seus sensores de cheiros estão nas patas.

Faz tempo que sabemos que as aranhas usam o olfato para caçar e localizar parceiros sexuais, mas existia um mistério: ninguém conseguia achar onde estavam os receptores do olfato.

Imagine como seria se, assim como as aranhas, nós sentíssemos os cheiros por meio dos nossos dedos? Foto: Adobe Stock

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Um grupo de cientistas resolveu esse mistério usando uma espécie de aranha chamada Argiope bruennichi. Eles a escolheram pois o uso do olfato é bem estudado nessa espécie. Os machos vão atrás das teias construídas por fêmeas virgens para copular, atraídos por um feromônio produzido somente pelas virgens. E mais: esse feromônio foi isolado e sua estrutura química, elucidada. Isso permitiu que ele fosse sintetizado no laboratório.

Para procurar o “nariz” do macho, os cientistas analisaram a superfície do animal com um microscópio eletrônico procurando buracos por onde os cheiros pudessem chegar ao sistema nervoso. No nosso caso, esse buraco é a narina. Foi assim que eles encontraram centenas de minúsculos buracos na superfície dos pelos que existem nas patas das aranhas macho.

As fêmeas, que não respondem a cheiros, não têm esses orifícios. Mas onde levavam esses orifícios? Fazendo cortes transversais nos pelos (da mesma maneira como fatiamos uma baguete) e examinando as fatias no microscópio, os cientistas observaram que esses buracos levavam a uma pequena cavidade na qual estavam terminações de células do sistema nervoso (como as que existem no interior de nossas narinas).

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Essa era a possível estrutura olfativa da aranha: as moléculas do feromônio presentes no ar entram nos orifícios e estimulam as células nervosas. Um tipo de nariz nas patas.

Mas era preciso demonstrar que isso era o que de fato ocorria. Precisavam demonstrar que o feromônio entrava pelos buracos. Num primeiro experimento, eles colocaram as aranhas num picadeiro e puseram um papel embebido com feromônio num dos cantos. Observaram que a aranha ia na direção do papel. Aí, diminuindo a quantidade de feromônio, descobriram o mínimo necessário para atrair a aranha.

Os machos da espécie Argiope bruennichi foram usados no experimento por conta do comportamento que possuem de, por meio do olfato, serem atraídos pelo feromônio liberado pelas fêmeas virgens. Foto: Oleksandr Filatov/Adobe Stock

No último experimento, imobilizaram as aranhas e colocaram um eletrodo dentro do pelo, de modo a medir a atividade do neurônio que estava na proximidade do orifício. Feito isso, aproximaram o papel com feromônio do orifício e observaram que sempre que havia feromônio no ar na entrada do orifício, as células neuronais dentro do pelo eram ativadas e mandavam sinais para o cérebro.

Pronto. Com isso ficou demonstrado que o feromônio dissolvido no ar penetra pelos orifícios, atinge a célula nervosa, que é ativada e envia o sinal para o cérebro. Estava descoberto o nariz da aranha -, que sabíamos que existia, mas não sabíamos onde ficava.

Nós, humanos, quando queremos saber se estamos cheirando mal debaixo dos braços, passamos a mão no local e depois levamos a mão ao nariz e cheiramos. Se fôssemos uma aranha, bastava colocar o dedo lá para sentir o cheiro. Cheirando com o dedo nossa percepção do mundo seria muito diferente. Imagine as possibilidades. Tenho pena das aranhas fêmeas que aparentemente vivem sem o sentido do olfato.

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Opinião por Fernando Reinach

Biólogo, PHD em Biologia Celular e Molecular pela Cornell University e autor de "A Chegada do Novo Coronavírus no Brasil"; "Folha de Lótus, Escorregador de Mosquito"; e "A Longa Marcha dos Grilos Canibais"

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