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Opinião|Esse animal escapa do predador mesmo após ser devorado: como isso é possível?

Cientistas descobriram como filhotes de enguia são capazes de sair intactos do estômago do peixe sapo

Foto do author Fernando Reinach
Atualização:

Ser devorado por outro ser vivo é sinônimo de morte certa. Pelo menos era assim que eu pensava durante a infância. Por isso, o que mais me impressionava na história do Pinóquio não era o fato dele ter sido criado a partir de um pedaço de madeira, nem o grilo falante, nem o crescimento do nariz. O que me deixava boquiaberto era a cena em que era engolido por uma baleia, ficava morando no estômago, e escapava pelo orifício dorsal da baleia junto com um jato de água. Parecia ressurreição.

Isso me levou a estudar uma nova descoberta. Filhotes de enguia, da espécie que comemos em restaurantes japoneses como Unagi (Anguilla japonica), quando devoradas por um peixe carnívoro que também comemos em restaurantes japoneses, o peixe sapo (Odontobutis obscura), são capazes de escapar intactos do estômago do predador. O interessante é como conseguem esse feito e como o truque foi descoberto.

Enguias da espécie Unagi (Anguilla japonica) usam uma sofisticada estratégia de fuga do estômago do peixe sapo. Foto: misumaru51shingo/ Adobe Stock

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As enguias podem ficar maiores (até 65cm) que um peixe sapo adulto (25cm). Mas os peixes sapo costumam devorar filhotes de enguia de até 7cm. E foi assim que a história começou.

Um cientista foi alimentar um peixe sapo num aquário com um filhote de enguia. A coitada da enguia foi engolida e o cientista continuou seus afazeres. Mais tarde, voltou e observou a enguia feliz, nadando no aquário. Estaria delirando? Repetiu o experimento dezenas de vezes e observou que em 40% dos casos, após uns 10 minutos, a rabo da enguia aparecia na guelra do peixe sapo. Desses 40%, aproximadamente 70% conseguiam sair nadando inteiros.

Ou seja, não era um fenômeno raro. Parecia ser uma habilidade da enguia. O fato desses dois peixes conviverem nos estuários, e enguias servirem de alimento para o peixe sapo na natureza, sugere que esse mecanismo de escape foi selecionado ao longo da evolução dessas espécies.

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Mas, qual seria o truque, e como observar o que a enguia fazia no estômago para conseguir escapar? Depois de dar tratos à bola (no meu tempo significava pensar no problema), os cientistas decidiram usar uma filmadora de raios X para ver o que acontecia dentro do estômago do peixe sapo.

Mas, isso não é fácil mesmo com uma filmadora de raios X. O peixe fica nadando de um lado para o outro e a enguia se mexendo lá dentro. A solução foi injetar nas enguias, antes de serem fornecidas como alimento, um produto químico inofensivo (Sulfato de Bário), o que torna o corpo da enguia mais opaco aos raios X e, portanto, fácil de observar dentro do peixe.

Após filmarem mais de 15 casos de escape de enguias engolidas, os cientistas puderam descrever o truque. Ao chegarem no estômago, as enguias começam a nadar para trás, de modo que a ponta do rabo delas fique roçando a parede interna do estômago. E continuam com esse comportamento até que a ponta do rabo se insira no buraco que liga o estômago ao esôfago.

Elas têm que conseguir fazer isso em 10 minutos, senão são mortas pelo suco gástrico do predador. Mas, as que conseguem passam a se contorcer e, de ré, vão subindo pelo esôfago. Quando chegam no local que em que o equivalente à nossa laringe se une à faringe (em nós, o ponto que liga o nariz à boca) tomam a direção das guelras (seria nosso nariz), por onde os peixes respiram. E, então, saem por entre as guelras, evitando a boca do peixe e seus dentes afiados e mortais. Após algum contorcionismo, as enguias ficam livres e saem nadando felizes. É uma bela e sofisticada estratégia de fuga.

Se eu fosse o pai ou a mãe de um peixe sapo, eu ensinaria aos meus filhotes o que ouvia sempre da minha mãe: “coma com calma e mastigue bem antes de engolir”. Afinal as enguias só chegam vivas no estômago porque, apressados, os peixes sapo engolem as bichanas sem mastigar.

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Opinião por Fernando Reinach

Biólogo, PHD em Biologia Celular e Molecular pela Cornell University e autor de "A Chegada do Novo Coronavírus no Brasil"; "Folha de Lótus, Escorregador de Mosquito"; e "A Longa Marcha dos Grilos Canibais"

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