Alexander Fleming (1881-1955) estudava bactérias quando algumas de suas placas de Petri foram contaminadas por um fungo. Antes de jogar tudo no lixo, ele observou que, na área ao redor da colônia de fungo, as bactérias não cresciam. E aí imaginou que o fungo estivesse secretando algo que matava as bactérias. Estava certo: e esse composto é a penicilina, o primeiro antibiótico.
Desde então, milhões de vidas são salvas todos os anos pelos antibióticos. Você deve estar pensando que sortudo foi esse Fleming. Mas não é bem assim. Se fosse eu que encontrasse meu experimento contaminado por fungos, teria proferido um palavrão, jogado tudo no lixo, e sequer reparado que o fungo estava inibindo o crescimento das bactérias. Como disse outro cientista, Louis Pasteur (1822-1895), “a sorte privilegia a mente preparada”.

Como na ciência básica é impossível prever de onde surgirá a descoberta, exatamente por ela ser desconhecida, é sabido que muitas descobertas surgiram de onde menos se esperava. É com base nesse raciocínio que o criador do sistema de financiamento de ciência nos Estados Unidos (Vannevar Bush, 1890-1974) acreditava que a ciência não podia ser dirigida. Você deveria financiar bom cientistas em áreas importantes, e as descobertas revolucionárias surgiriam naturalmente.
Mas outra corrente acreditava que a ciência deveria ser dirigida. Os problemas importantes deveriam ser identificados pelo governo e os cientistas deveriam buscar soluções para esses problemas.
Vannevar achava isso besteira pois, apesar de sabermos que as bactérias matavam as pessoas, ninguém imaginava que a solução viesse de um fungo. Por isso, ciência induzida não funcionaria para resolver os problemas fundamentais. Somente seria útil em ciências aplicadas, o que hoje chamamos de tecnologia.
Ele argumentava que grande parte das descobertas fundamentais haviam ocorrido da mesma maneira que a descoberta da penicilina. Mas como ninguém conseguia medir que fração das descobertas cientificas importantes teriam ocorrido fora do foco principal do cientista, o debate entre ciência dirigida e não dirigida corre solto até hoje.
A novidade é que agora um grupo de pesquisadores conseguiu realizar essa medida. Desde 2008, nos EUA, o pedido de verbas para financiamento de pesquisas tem que listar para qual das 293 áreas de conhecimento o cientista espera contribuir.
O que os pesquisadores fizeram foi examinar 90 mil auxílios de pesquisa aprovados entre 2008 e 2016, que correspondem a um gasto do governo de 94 bilhões de dólares, e listar para cada um desses pedidos as áreas em que os cientistas pretendiam contribuir.

Feito isso, eles identificaram os 1,2 milhão de trabalhos científicos publicados como resultado desses 90 mil auxílios (isso é possível porque no trabalho o cientista é obrigado a colocar o número do auxílio que financiou o trabalho). E em cada trabalho, eles identificaram em qual das 293 áreas se encaixava a descoberta. E cruzaram os dados.
Por exemplo: eu pedi uma verba para estudar doenças do coração e o trabalho relata um progresso no entendimento dos problemas do coração. Nesse caso o cientista descobriu, na área da proposta de pesquisa, um resultado esperado. Mas se pedi dinheiro para estudar coração e o trabalho descreve a descoberta de um novo antibiótico, então a descoberta feita ocorreu fora da área do pedido e é classificada como inesperada.
Esse cruzamento de dados mostrou que em 70% dos trabalhos científicos publicados, os resultados estavam fora do objetivo listado no pedido de auxílio, ou seja, eram resultados inesperados. E mais: 40% das categorias listadas nos trabalhos eram não esperadas com base no pedido de auxílio.
Esses dados sugerem que Vannevar Bush estava correto. Apesar de o governo americano financiar projetos direcionados, as descobertas ocorrem fora do escopo do que foi proposto. É claro que existem muitas críticas a esse trabalho, mas ele é um forte argumento contra o dirigismo no financiamento da ciência básica.
E o dirigismo, que tem raízes nos planos plurianuais da União Soviética, e na crença de que os burocratas dos financiadores da ciência devem e podem controlar a capacidade criativa dos cientistas, não passa de uma ilusão.
Mais informações: Unexpectedness in medical research. Research Policy