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Opinião | Sabe a festa na Espanha em que pessoas fogem de touros? Veja o que ela revela sobre aglomerações

Um grupo de cientistas estudou o movimento das multidões que se acumulam numa praça de Pamplona, no dia de um festival religioso

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Foto do author Fernando Reinach
Atualização:

Centenas de pessoas morrem todos os anos esmagadas ou pisoteadas por multidões. Elas são comprimidas contra paredes, pisoteadas ou empurradas de lugares altos. Fora os casos de pânico coletivo, compreender como uma multidão se movimenta pode ajudar a evitar esses acidentes. Agora um grupo de cientistas estudou o movimento das multidões que se acumulam numa praça de Pamplona, na Espanha, no dia de um festival religioso.

Quando a densidade (pessoas por metro quadrado) é baixa as pessoas tendem a respeitar o chamado espaço privado que criamos ao nosso redor. Esse é um círculo de aproximadamente um metro de raio que, se penetrado, causa desconforto. Uma maneira de constatar sua existência é você entrar num elevador com somente uma pessoa e se colocar muito perto dela (10-15 centímetros). O desconforto da pessoa fica aparente e ela se move para aumentar essa distância. Mas o que acontece quando a densidade de pessoas aumenta muito?

Estudo foi feito usando como base as festas de San Fermín, realizadas na cidade de Pamplona, na Espanha, que atrai multidões anualmente. Foto: Adobe Stock

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Para estudar esse fenômeno, cientistas filmaram do alto dos prédios a acumulação de pessoas na Praça Consistorial (20 por 50 metros) em Pamplona durante o festival de San Fermín, que ocorre todo dia 6 de julho. Foram filmadas as aglomerações de 2019, 2022, 2023 e 2024. Usando sistemas de inteligência artificial, cada uma das mais de 5.000 pessoas puderam ser acompanhadas durante duas horas, desde o momento em que chegam à praça, até a hora que a porta da igreja se abre e a multidão se dispersa.

O que foi observado é que, no início da aglomeração, as pessoas se locomovem e tentam respeitar os espaços privados. Mas, durante a última hora, o número de pessoas na praça aumenta e a densidade passa de 2 pessoas por metro quadrado para até um pouco mais de 6 pessoas por metro quadrado. Durante essa compressão as pessoas perdem o espaço privado e passam a se encostar e se espremer uma nas outras. No início desse processo cada pessoa se movimenta de forma quase independente, randômica, mas quando a densidade aumenta, uma pessoa só consegue se movimentar se as vizinhas também se movimentarem.

É nesse ponto que ocorre um fenômeno nunca antes descrito. As pessoas passam a se movimentar de forma coletiva em grupos de aproximadamente 100 pessoas. E, usando métodos estatísticos complexos, os cientistas estudaram esses movimentos coordenados. Eles ocorrem de modo circular, oscilando. Esses grupos formam círculos que se movem um em relação ao outro e giram sobre si mesmos. Exemplos desses movimentos podem ser vistos no vídeo.

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Esses movimentos circulares produzem muito mais força em uma direção que os movimentos individuais e se deslocam mais no espaço. Os cientistas imaginam que são essas oscilações coletivas que acabam espremendo e derrubando as pessoas.

Essa hipótese pôde ser parcialmente confirmada quando os cientistas examinaram as filmagens da tragédia que ocorreu em uma multidão na Love Parade 2010, um festival de música em Duisburg, na Alemanha. Lá, durante uma aglomeração na entrada, morreram 21 pessoas e mais de 500 ficaram feridas. Examinando os filmes feitos do alto, foi possível identificar que quando a densidade atingiu mais de 6 pessoas por metro quadrado esses movimentos circulares coordenados de centenas de pessoas foram observados e foram eles que, aparentemente, causaram as mortes por compressão e pisoteio.

Esse resultado descreve um novo tipo de movimento coordenado em multidões humanas que ocorre em altas densidades e aparentemente pode levar aos acidentes. O que os cientistas ainda não sabem são as causas desse comportamento e como é possível usar essa observação para tornar as aglomerações mais seguras. O que sabemos é que isso só ocorre em altas densidades. Evitar essas densidades é uma maneira certeira de diminuir os acidentes.

Mais informações: Emergence of collective oscillations in massive human crowds. Nature

Opinião por Fernando Reinach

Biólogo, PHD em Biologia Celular e Molecular pela Cornell University e autor de "A Chegada do Novo Coronavírus no Brasil"; "Folha de Lótus, Escorregador de Mosquito"; e "A Longa Marcha dos Grilos Canibais"

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