Silvio Orlando é daqueles atores cuja expressão facial diz tudo. Considerado um dos maiores intérpretes do cinema italiano contemporâneo, ele veio a São Paulo na terça-feira para o lançamento do Venezia Cinema Italiano IV, festival promovido pela Embaixada da Itália no Brasil que exibe, até domingo, sete longas italianos participantes do recente Festival de Veneza, o mais antigo do mundo. Na coletiva de lançamento, Silvio Orlando fazia caras e bocas, ao estilo Woody Allen, com tradução simultânea e incômoda, emendando piadas e críticas irônicas e bem-humoradas. No fim, o ator de O Crododilo, O Quarto do Filho e Il Papá di Giovanna, este em cartaz na mostra, recebeu o Estado para uma conversa sobre cinema, política, Hollywood e Brasil. Gostou da seleção dos filmes para esta quarta edição da mostra? Antes de mais nada, "bom-dia a todos". Quero falar esta frase, pois é a única que sei falar direito em português. Bem, estou feliz de estar representando o cinema italiano contemporâneo e dou graças a Deus de os diretores desses filmes não saberem que estou aqui, pois fico mais tranqüilo para falar qualquer bobagem. De resto, acho que os sete filmes são prova de que o cinema italiano existe e está vivo após o sucesso da geração anterior, que teve cerca de 20 mestres à altura de Michelangelo e Rafael no plano das artes plásticas. Seria algo como a retomada italiana, em referência ao que tivemos aqui também a partir de 1995. Sim, se bem que o cinema italiano está em constante retomada, mas hoje há uma nova e ótima geração também de atores, que estimula os diretores a fazerem boas histórias. Algum diretor desta nova safra com quem ainda quer trabalhar e, se pudesse, algum dos anos de ouro do cinema italiano? Quero trabalhar com todo mundo, mas faço questão de ser convidado para um filme do Gianni Amelio, acho ele um gênio. Do passado, sem dúvida, o Vittorio De Sica. O que gosta ou conhece do cinema brasileiro? Gostei muito de O Dia em Que Meus Pais Saíram de Férias, mas assim como nossos filmes, ele só foi exibido em festivais na Itália, não em circuito comercial. Acho uma pena que os grandes diretores brasileiros estejam saindo do País para fazer carreira internacional. Quem perde com isso é a cultura e o próprio cineasta. Meu lema é: seja local para ser global. Por que isso é tão ruim? Acho o Brasil não só um país grande, mas um grande país, ou seja, riquíssimo em diversidade cultural. A Itália começou a conhecê-lo a partir dos anos 1960, mas a imagem que persistiu durante anos foi da terra do futebol, das mulheres bonitas, do samba e, mais recentemente, da cirurgia plástica. É difícil sair desse clichê e os cineastas são peças importantes para manter o país dinâmico, aberto a mostrar seus erros e acertos sem cair nos estereótipos. Acho, por exemplo, que vocês deveriam explorar mais a meiguice do brasileiro. O sorriso de vocês deveria ser tombado como patrimônio histórico pela Unesco (risos). E tem mais... Mais crítica ou elogio? Uma crítica. Acho que a fase atual do cinema brasileiro quer ser muito realista, o que é um ponto forte, mas fraco também, pois é difícil ser fiel à realidade no cinema. Acho que valeria a pena ser mais fantasioso e menos realista. Como ator e diretor, vê alguma solução para cinemas como do Brasil e da Itália ganharem mais espaço comercial no mundo em contrapartida com Hollywood? Ser glocal, ou seja, investir em histórias locais. Quando o cinema italiano fez isso, no neo-realismo, ganhou o mundo. E nós, cinemas ditos pobres, temos a vantagem de podermos apelar menos para o visual e o tecnológico e mais para dramas humanos. O importante na Itália, hoje, é recuperar a virgindade do olhar, fazer tudo como se fosse a primeira vez. Claro que o neo-realismo é o ABC de cada diretor italiano, mas não se pode ficar preso a ele. Algum tema ou personagem que ainda quer fazer nas telas? Sonho contar a história de um órfão que perde a mãe muito cedo e tenta recuperar essa perda durante a vida toda. É, na verdade, a minha história, mas acho que filme com criança não decola no cinema. Cinema Paradiso não seria um exemplo contrário? Mas o filme não seria nada sem o (diretor e roteirista) Giuseppe Tornatore, o (ator) Philippe Noiret e a música de Ênnio Morricone. Para terminar, acha que o cinema italiano tem feito seu papel crítico ao governo Berlusconi e ao controle midiático exercido por suas empresas? (Neste momento, o embaixador Michele Valensisi se aproxima). Bom, vai ser um pouco constrangedor responder isso, mas vamos lá, somos um país livre (risos). Embora não haja censura na Itália, o que existe hoje é uma sutil autocensura do mercado e dos próprios cineastas, já que 80% da mídia italiana são controladas por uma só pessoa e essa pessoa vem a ser nosso primeiro-ministro. Por isso, é "natural" que nasça em certos autores uma censura como forma de auto-sobrevivência profissional. Serviço Venezia Cinema Italiano IV CCSP. R. Vergueiro, 1.000 Cine Bombril. Av. Paulista, 2.073. Ingressos 1 h antes