Grandes exposições em homenagem ao centenário de um mestre da escultura ou da pintura são, via de regra, um dos maiores desafios de um curador de arte. Esse desafio é ainda maior quando 18 minutos de percurso a pé e 1,3 quilômetros separam o Museu Rodin, onde se localiza o melhor acervo consagrado ao célebre escultor no mundo, e o Grand Palais, no centro de Paris. É no segundo centro cultural que está em cartaz a mostra Rodin – A Exposição do Centenário, dedicada a Auguste Rodin (1840-1917), um dos mais influentes artistas da história da humanidade.
A exposição é o maior evento da França para lembrar o ano de desaparecimento do escultor que se tornou uma referência mundial das artes. Talvez para se diferenciar da mostra permanente do Museu Rodin – excepcional, diga-se de passagem –, a exposição do Grand Palais não faz o clássico percurso “vida e obra” do artista, mas frisa sua influência que perdura há décadas e que tocou os maiores escultores do mundo nos séculos 20 e 21. Para tanto, o Grand Palais aborda três diferentes períodos em que os curadores sintetizariam a carreira do mestre: o momento expressionista, o experimentador e a onda de choque, este último dedicado ao impacto avassalador que o escultor exerceu em vida e após a sua morte.
Antes de se tornar um escultor conhecido em todo o mundo, a partir dos anos 1900, Rodin quebrou os paradigmas da escultura vigentes à sua época. Então, as artes eram dominadas pelo culto da natureza – o naturalismo. Já o mestre optou por colocar no centro de sua obra um fragmento da natureza pouco explorado pelos seus contemporâneos: o homem.
Para Rodin, “o corpo é um molde em que se expressam as paixões”. E essas paixões valem por si só, sem necessidade de estabelecer referências literárias ou históricas que justifiquem a obra. O corpo humano, entendia o artista, tem uma dimensão universal e se expressa. Esse raciocínio marca sua deriva em direção ao expressionismo. Dessa época, destacam-se trabalhos como Burgueses de Calais e a Porta do Inferno, que talvez seja sua verdadeira obra-prima, a matriz de outras mais célebres, como O Pensador.
Essa concepção da arte escultórica como a expressão do homem por seu corpo rapidamente o tornou uma referência. Nos anos 1890, Rodin já havia se tornado uma referência de toda uma geração de artistas que vinham a Paris trabalhar em seu ateliê ou inspirar-se em sua obra. A maior parte adota as marcas do mestre: a expressão dos modelos, o exagero das formas, a deformação, a ampliação.
A segunda parte da exposição é dedicada ao experimentalismo. A partir do trabalho monstruoso da Porta do Inferno, que o artista jamais viu fundido, Rodin dispôs de um manancial de obras originais nunca apresentadas ao público. Essa coleção deu origem a um acervo de formas de que o artista se apropriou, recortando-as, alterando tamanhos, recompondo-as. Essa releitura do próprio trabalho lhe permitiu experimentar e inovar, reforçando sua condição de artista de vanguarda, desenvolvendo novas técnicas, inventando novas composições e colagem e explorando a figura parcial.
A repercussão desse trabalho de ruptura em relação ao que se fazia até então é abordada na terceira e última etapa da exposição. Então Rodin aparece como a referência absoluta de gerações de artistas que vão de Wilhelm Lehmbruck e Markus Lüpertz a Baselitz, passando por mestres de outras partes, como Pablo Picasso e Henri Matisse. Esse é um dos pontos fortes da exposição do Grand Palais, que, embora não sirva como a melhor síntese da obra do escultor, tem ótimos momentos.
Em alguns trechos, A Exposição do Centenário fala muito tempo de escultores por ele influenciados, e de menos do gênio criador em si. O lado positivo é entender a extensão de sua influência. “Eu desejo a Picasso que nos diga tantas coisas e tão claramente quanto Rodin”, afirmou um dia Giacometti, um dos grandes herdeiros de Rodin.
Além do legado de Rodin, a mostra do Grand Palais explora muito bem os originais em gesso e argila feitos pelo artista, que de hábito são negligenciados por grandes museus em favor das obras definitivas em metal e mármore. No caso de Rodin, esses modelos originais mostram que ele era ainda mais arrojado na deformação do corpo humano, usando ainda mais as texturas rugosas e o exagero das formas para compor seus personagens do que nas obras definitivas em metal ou mármore.
De quebra, ao tomar contato com gessos e argilas realizados pelo próprio mestre, o público acaba tendo contato com a versão mais próxima da intervenção do artista, a mais autêntica tradução do gênio criador. E então fica mais fácil compreender por que Rodin é considerado no mundo das artes o mais próximo que chegamos de conviver com um Michelangelo nos tempos modernos.
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