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Baz Luhrmann tem o que os americanos chamam de uma sensibilidade "camp", isto é, um olhar voltado para a citação paródica. Seu Austrália é um corpo híbrido formado de fragmentos retirados de épicos, musicais e produções românticas dos anos 1930 e 1940. Retromaníaco, Austrália parece, de fato, um filme feito em 1939, mesmo ano de lançamento de O Mágico de Oz e ...E o Vento Levou, dois clássicos vampirizados sem pudor no "épico" pós-moderno de Luhrmann, vocacionado para o pastiche desde o musical Moulin Rouge. Seu nostálgico oportunismo se traduz na grandiloquência de Austrália, revelando que o tamanho de seu ego é proporcional à extensão territorial do continente. Tudo é muito artificial, construído para seduzir um público conservador e pouco exigente em matéria de fidelidade histórica. Qualquer estudante australiano sabe que o mais perto que os comandantes das tropas japonesas permitiram a seus homens chegar das praias australianas foi Port Moresby, base aliada invadida pelos asiáticos em 1942. Adaptando a realidade à história que inventou, Luhrmann coloca japoneses perseguindo garotos aborígines numa ilha perto de Darwin, no litoral norte, bombardeada, sim, por aviões. Tudo bem, dirão, é apenas um filme. Mas a história está cheia de filmes que ajudaram suspeitos regimes a influenciar a opinião pública. E a ambivalente posição de Luhrmann sobre as missões religiosas que cuidaram das crianças aborígines pertencentes às "gerações roubadas" - mestiços, filhos de nativos com o colonizador europeu branco - é francamente perturbadora. Há evidências de que essas crianças possam ter sido afastadas de suas famílias como medida preventiva contra a discriminação racial. Luhrmann, no entanto, decreta que a Igreja e o Estado australiano praticaram um ato de violência, levando o espectador a compartilhar seu ponto de vista, o de que havia um perverso projeto de eugenia embutido nessa "proteção", destinado a preservar a "pureza" racial dos europeus e manter certa hierarquia civilizatória. Como Luhrmann se meteu numa enrascada sociológica, pediu ajuda ao roteirista Richard Flanagan para resolver a questão. Flanagan deu um jeito de preservar a identidade cultural do menino mestiço Nullah (Brandon Walters), fazendo com que ele mantenha uma relação mágica com o avô King George. Sempre a distância, ele orienta e acompanha - em espírito - a "walkabout" (jornada) do neto pelo deserto australiano (espécie de rito de passagem para a idade adulta). Seu correspondente fílmico seria a jornada da pequena Dorothy em O Mágico de Oz. Luhrmann deve achar genial essa analogia. Tanto que deu um jeito de inserir no filme uma sequência do musical de Victor Fleming. Não que seu interesse pela cultura do antípoda seja ilegítimo. Luhrmann até encaixa uma mensagem política no filme - a de que o governo australiano pediu desculpas formais aos cidadãos aborígines, em 2008, pela ação imperialista e agressora de "roubar" suas crianças no passado. De qualquer modo, não é o pequeno Nullah o astro principal de Austrália. O casal caucasiano (Nicole Kidman e Jackman) é o que realmente interessa ao diretor. O desfile de clichês, estereótipos e citações começa logo na sequência do desembarque de Nicole Kidman, uma superficial lady inglesa que, ao primeiro contato com o inóspito outback, sente ganas de voltar imediatamente para a Inglaterra. Mas sua propriedade rural está em ruínas, o marido morreu e, para salvar a fazenda, deve conduzir 1.500 cabeças de gado pelo deserto, guiada pelo rústico capataz. Se a atração entre opostos ficasse restrita ao casal, seria tolerável. Mas Austrália é maniqueísta, servil às convenções cinematográficas. Luhrmann, que pretendia fazer um épico profundo como os de David Lean, fez de Austrália um melodrama raso, suspeito e longo demais.

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