O Kid

PUBLICIDADE

Por Verissimo
Atualização:

Encontraram-se depois de muitos anos. - Rui! - Kid! - Há quanto tempo! - Puxa. Anos. - Você não mudou nada. - Quié isso. Você é que continua o mesmo. - Vamos parar de mentir? - Rá. Vamos. - Do que foi mesmo que você me chamou? - Kid. Lembra? Era o seu apelido. - Engraçado. Não me lembro... - Velho Kid. O que você faz? - Eu? Trabalho com meu sogro. Contabilidade. - E está indo bem? - Dá pra viver. - E aquele seu plano de...de... Como era mesmo? - Plano? - É. Você tinha um plano fantástico para o futuro. - Não me lembro. - Velho Kid. Olha, foi um prazer, viu? - Também, Rui. Bom te ver. Afastaram-se. Ele tentando se lembrar: que plano fantástico para o futuro seria aquele? Um plano de "Kid", e ele era o "Kid". Como pudera se esquecer de que um dia fora o "Kid"? De qualquer maneira, uma coisa ele sabia: não era mais. A LÁGRIMA QUE NÃO HAVIA Algumas pessoas perseguem a fama e a glória, ou seus 15 minutos de notoriedade, desesperadamente. Outras as recusam, admiravelmente. Dois exemplos: Um momento tocante na posse do presidente francês Nicolas Sarkozy foi quando, num gesto singelo, ele enxugou com o dedo uma lágrima que brotava do canto de um olho da sua mulher Cecília, obviamente emocionada com a solenidade. Seria uma cena enternecedora, um instante de atenção carinhosa de um marido com a mulher, se não fosse por um detalhe: não havia lágrima alguma saindo do olho da Cecília. Pouco tempo depois ela se divorciaria de Sarkozy, e pode-se até especular que a falsidade teatral do gesto tenha apressado sua decisão de renunciar não só ao marido fingido como às pompas e aos privilégios de primeira-dama. A lágrima simplesmente não estava onde o Sarkozy gostaria que estivesse. Outro exemplo de quem preferiu a honestidade ao oba-oba foi o daquela soldada americana ferida na invasão do Iraque que resistiu bravamente antes de ser capturada por soldados iraquianos e acabou sendo libertada numa ação espetacular pelos seus colegas. Era uma história feita na medida para a promoção da guerra. Ajudava o fato de a moça ser bonitinha e já se especulava quem a interpretaria quando fizessem o filme. Só que a história não era verdadeira, como ela própria fez questão de contar, desmentindo as versões cinematográficas e renunciando à celebridade e todos os seus benefícios. Ela não resistira à captura até a última bala, como noticiado, e seu resgate fora de dentro de um hospital, onde era bem tratada por médicos iraquianos. Foi uma heroína, mas não do tipo explorável. E eu nem me lembro do seu nome.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.