''O País precisa do IR ecológico''

Um incentivo para atrair as empresas é essencial à defesa do verde, adverte Roberto Klabin, presidente da SOS Mata Atlântica

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Por Redação
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Quarta-feira é o Dia Nacional da Mata Atlântica. E ninguém melhor para falar sobre ela do que Roberto Klabin, presidente da Fundação SOS Mata Atlântica - que promoveu na semana passada, em São Paulo, a quinta edição do Viva a Mata, uma mostra de iniciativas e projetos para informar e conscientizar a sociedade. Empresário de berço, verde de coração, Klabin é filho de Samuel Klabin, fundador da Metal Leve e sócio do Grupo Klabin. Poderia ter cruzado os braços e viver do que recebeu pela venda da Metal Leve e dos dividendos da Klabin. Mas não. Trabalha 12 horas por dia, há mais de 25 anos, em prol da natureza. "Sempre gostei da natureza. Mas foi só quando Fabio Feldman me convidou, ainda na Faculdade de Direito, para lutar contra a implantação do aeroporto internacional de São Paulo em Caucaia do Alto, que eu vesti a camisa. O aeroporto foi para Guarulhos", diz o também dono da Pousada Cayman, um dos endereços mais procurados por turistas estrangeiros que visitam o Pantanal. Aqui vão os principais trechos da entrevista. Muitos estudiosos dizem que uma saída, para defender a natureza, é atrair os empresários, oferecendo alguma contrapartida. É uma boa ideia? Nós estamos tentando passar, há quatro anos, o "imposto de renda ecológico". Trata-se de uma iniciativa que une a World Wildlife Foundation, a SOS Mata Atlântica e outras fundações que defendem a criação de incentivos fiscais para pessoas físicas e jurídicas que decidam aplicar em projetos ambientais. O País precisa disso. Mas a União não gosta da ideia. Vê nela apenas um lado, o da renúncia fiscal. Como é esta proposta? Seria algo na linha do que foi feito com a Lei Rouanet na cultura. Um estímulo para que os empresários se disponham a ajudar. E porque isto não anda? O governo acha que incentivo fiscal para salvar a natureza não é uma boa causa? Não sei se é isso, mas falta vontade política. Mas não é só de incentivos que precisamos. Tem que haver uma coerência jurídica. Hoje há um emaranhado de leis que criam todo tipo de problema, com diversas instâncias se achando com direito a tomar decisões. Esse é o nosso maior problema, surgido com a Constituição de 88. Há muitas leis, instâncias e órgãos querendo legislar, multar e punir. Como assim? A bancada ruralista quer juntar a reserva legal com a área de proteção permanente. Os ambientalistas querem seguir o Código Florestal - que já tem 40 anos. E o ministro da Agricultura afirmou que o Brasil está sendo congelado por todas essas legislações. Há questões que não dizem respeito somente à questão ambiental. A reivindicação de índios ou quilombolas, por exemplo. Aí mistura-se tudo e o País fica engessado. O que acha de iniciativas como o Bolsa Floresta? O Eduardo Braga governa um Estado pobre, o Amazonas. O que ele está fazendo é valorizar a floresta e, ao mesmo tempo, ajudando quem se dispõe a preservá-la. A SOS Mata Atlântica só cuida da mata atlântica? Só. Foi aqui que se consolidou, desde o nascimento da ONG, há 23 anos, o conceito da mata atlântica. Até então não se sabia direito o que ela era, onde se encontrava. Foi o Rodrigo Mesquita quem juntou todo mundo pra criar esse negócio. Na época, nós determinamos a região original e começamos a mapeá-la, em parceria com o INPE. A cada cinco anos a gente faz esse mapeamento com satélite, sobrepõe imagens e confere se a área diminuiu. Hoje só estão de pé uns 7% da mata original. Tanto estrago em 23 anos? Não. Essa redução veio vindo com o tempo. Quando começamos a mapear já havia só 9% da mata. Foram reduzidos dois pontos porcentuais, o que é muito. E foi por causa dela que se legislou. Agora a mata tem uma lei própria, uma vitória da SOS Mata Atlântica. Demorou 14 anos para ser aprovada. Ela gera incentivos pra quem investe, para quem planta. O trabalho da SOS Mata Atlântica transformou essa região em um patrimônio nacional reconhecido pela Constituição. E conscientizou muita gente da importância do verde. Como atrair mais gente? É um desafio, de fato. Hoje você diz "biodiversidade"... e quando acaba de falar o seu interlocutor já dormiu. Tem que mudar o discurso para se mobilizar a população. Tem que ser engraçado, fazer propaganda inteligente, que atraia as pessoas. O ambientalista, bem como o empresário, é muitas vezes extremista. Como unir os dois lados rumo ao equilíbrio? Não acho que se possa conciliar isso enquanto paixão. A saída é um discurso prático, mostrando o que há para se fazer. Eu falo com todo mundo. Não acho que alguém é melhor ou pior, mas existem coisas que são irreconciliáveis. Tentamos administrar esse processo e ver se, na agenda comum, se constrói alguma coisa. E a fiscalização nisso tudo? É muito precária. Funciona contra grandes grupos, contra nomes conhecidos, contra projetos definidos. Mas não contra o pequenino, contra o favelado. Isso não tem sentido. A Constituição de 88 atribuiu tantos poderes a tanta gente que você pode ter ONGs e INGs. O ING é o "indivíduo não governamental", uma pessoa que entra com processo, mexe com o Ministério Público, usa a internet, pode causar todo tipo de impedimento. Agora, racionalidade é por pessoas na mesa e discutir o que é possível fazer. Como empresário e ambientalista, como você concilia as coisas? Já fui mais empresário. Hoje sou bem menos. Me acho mais útil no movimento ambientalista. Foi muito difícil o movimento me aceitar trinta anos atrás. Todo mundo falava: "Mas esse cara é produtor de papel e celulose, como ele está aqui?" Com o tempo, perceberam que eu me empenho, e muito. Dedico mais de 50% do meu tempo à ONG. E as coisas que tenho hoje em dia já são pequenas - com exceção da Klabin, onde continuo como conselheiro. Direto da fonte Sonia Racy Colaboração Doris Bicudo doris.bicudo@grupoestado.com.br Gabriel Manzano Filho gabriel.manzanofilho@grupoestado.com.br Marília Neustein marilia.neustein@grupoestado.com.br Produção Elaine Friedenreich

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